segunda-feira, 9 de abril de 2012

Reinventar o possível, por Rui Bebiano


O processo de transfiguração do país que o 25 de Abril de 1974 abriu já foi descrito como a “Revolução dos Três D” (Democratizar, Descolonizar, Desenvolver). Este é o fundamento comum dos projetos políticos com os quais, a partir dessa data, nos confrontámos por mais de três décadas e meia. A expressão pode parecer hoje algo redutora por não englobar as enormes mudanças que estavam para ocorrer no país no domínio da vida privada, das relações de trabalho e das práticas culturais, mas não deixa de verbalizar princípios programáticos e uma linha de rumo que cruzaram os anos e os diferentes governos. 

Democratizar supunha assim abrir a gestão da coisa pública e do coletivo à voz e à vontade livremente expressa dos cidadãos, o que até ali era impossível. Descolonizar significava despejar o fardo da ideia de império e do domínio dos povos colonizados, o que até ali era impraticável. Desenvolver impunha encontrar e expandir novos ritmos para a criação de riqueza e o bem-estar das populações, o que não constava das perspetivas do velho “país habitual”, idealizado por Salazar como quieto, naturalmente desigual e indiferente às tentações da vida moderna.

A memória partilhada do 25 de Abril guardou esse rastro, que até há pouco governo algum se propôs contrariar. À esquerda ou à direita do bloco político que tomou conta da administração do Portugal pós-revolucionário, com ou sem cravo ao peito, fosse qual fosse a posição diante da Constituição aprovada em 1976, programas e orçamentos, na sua diversidade, jamais ousaram afastar o horizonte de um país melhor, habitado por portugueses mais felizes, tendencialmente “livre, justo e solidário”. Só mesmo o atual contexto de crise pôs travão a esta orientação, definindo uma nova realidade na qual a ditadura dos mercados parece impor, com a complacência de quem governa, o retorno a uma paisagem na qual os processos da democracia e os caminhos do desenvolvimento são confrontados com um recuo até há pouco impensável e com uma subalternização política de tipo neocolonial. Nos anos 80, referindo-se a Portugal, João Martins Pereira falava da “singular intensidade do seu passado recente”. No presente, perante o cenário de resignação e pessimismo que emana da atuação das autoridades públicas, o recurso a estratégias de alternativa passa pelo exercício de uma intensidade democrática em ação, pela revalorização da solidariedade, por uma dinâmica do possível da qual o 25 de Abril permanece um símbolo.

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