quarta-feira, 18 de abril de 2012

Para Ti, Amigo Antero




"A Arte é a coisa santa da Humanidade"

Foi assim que eu conheci o meu amigo Antero de Quental, numa certa tarde ao crepúsculo, ao pé da escadaria da Sé Nova, enquanto ele discursava para um grupo de estudantes que traçava a capa ao vento.

Era alto, de estatura forte, o cabelo e a barba bastante ruiva, o que demonstrava uma certa ascendência britânica e lhe dava um ar quase aristocrático.

Como era bom ouvi-lo a falar das ideias novas que chegavam a Portugal através do vapor que havia poucos anos rasgava a barbárie dura da Península!

Eram ideias maravilhosas! Umas falavam de Hegel e Compte, enquanto outras, ainda mais fantásticas, eram as ideias de um tal senhor Proudhon que mantinha uma acesa discussão com um tal de Karl Marx, uma discussão em que se falava de economia, de um novo paradigma económico e político.

Socialismo.Socialismo. Socialismo.

Era uma palavra nova para os nossos lábios e para os nossos ouvidos.

Socialismo.

O que sabíamos do Socialismo era o que Antero, esse "Génio que era um Santo" como Eça de Queiroz mais tarde o cognominou, lia e sorvia e pensava sobre Proudhon.

Falava-nos do Socialismo Utópico, da necessidade de haver maior repartição da riqueza, da instrução das classes mais desfavorecidas, pois o conhecimento levaria ao desenvolvimento dos pobres. E aí entrava a Arte, a Poesia, a Musa predilecta do meu amigo Antero.

Depois, líamos como discípulos os livros que ele nos emprestava, discutíamos o Socialismo, falávamos do Socialismo. Éramos Socialistas Utópicos!

E a Utopia continuou pelos anos que passaram.

Mais tarde, o meu amigo Antero reuniu-se em segredo, num pequeno barco sobre o rio Tejo, com Socialistas espanhóis, logo após a instauração da breve 1ª República Espanhola, de modo a criar um Federação Ibérica, regida por ideais Socialistas, não republicanos.

O meu amigo Antero era um Socialista e um Romântico, nunca aceitou o Republicanismo por este estar imbuído em ideais positivistas e cientificistas, ideias que Teófilo de Braga defendia e preconizava. Não admirava que o meu amigo Antero cedo se separasse de Teófilo...

Como Romântico que era, como filósofo que era, como poeta que era, o meu amigo Antero tinha constantes crises por confrontar em si o poeta e o filósofo, o romântico e o político.

A República Espanhola sucumbe rapidamente e todos as ideias de Federativismo do meu amigo caem por terra.

Mais tarde, o Ultimatum inglês volta a dar vida ao meu amigo Antero que tinha ido para Paris poucos anos antes da Comuna de 1871, e lá trabalhara como tipógrafo para viver como um operário, um pobre. Era o ano de 1868.

Mas o oposição portuguesa que se levanta face ao Ultimatum está embebida de ideias republicanos, e o meu amigo depressa abandona o cargo que tinha de dirigir palestras e esclarecimentos para o povo em geral, de modo a que este se revolte contra a monarquia.

Tudo tinha feito pelo seu país. Aquelas Conferências do Casino Lisbonense de 1871, a que eu assisti piamente como um discípulo escutanto o seu mestre diante o profano altar do Conhecimento e do progresso.

Mas as Conferências são interrompidas...

Antero partiu para os Açores em Junho de 91 e de lá nunca mais voltou...

Era o dia 11 de Setembro desse mesmo ano dos finais daquele século XIX que tinha sido imenso.

Perto do Convento da Esperança havia um banquinho daqueles de jardim, no céu voavam pássaros e as nuvens sobrevoavam sobre as asas desses pássaros que faziam voos injustos.

O meu amigo tira uma pistola do bolso, dá dois tiros na cabeça e cai para o lado, morrendo minutos mais tarde em agonia.

O meu país empobreceu porque o meu amigo deixou-nos cedo de mais.

Mas o meu país também ganhou tanto com as suas palavras, com a sua Poesia, com a sua Filosofia, com o seu Socialismo.

Antero fez da sua vida uma obra de Arte inacabada, porque era um génio e um santo.

Obra de Arte inacabada que se completa com as suas Odes Modernas , com Tendências Gerais da Filosofia da segunda metade do Século XIX, que foi a sua obra redentora, onde há uma presença forte do Socialismo, ao qual chamo de Socialismo Anteriano, como muitas outras obras que ele pensou e escreveu.

O meu amigo Antero foi um dos pais do Socialismo português, foi dos primeiros seguidores do Socialismo Utópico em terras lusas.

O Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo. A Revolução não é mais do que o Cristianismo do mundo moderno.



Obrigado, amigo Antero.



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