terça-feira, 14 de julho de 2015

Cultura marcoense? Nem tanto.

O conceito de mostrar os valores de uma terra, de um concelho, parece, por vezes, invocado ao desbarato, tratado de forma leviana e até deturpadora. Não fui claro? Pois bem, vejo cada vez mais a afluência de uma devoção exagerada aos 'talentos' da terra marcoense, isto partindo de pressuposto que realmente prospera talento na pessoa em questão.

Vamos directos ao assunto. Em todos os lugares, por mais oníricos que possam parecer, acaba por existir alguma incoerência, alguma metodologia não tão exímia quanto pensávamos, algo que ostentámos como imensamente capaz e saiu como lacuna irremediável. Penso que isto, em qualquer lado do planeta, é uma ideia mais ou menos concebida pelos seus habitantes.

No Marco de Canaveses a questão nem é tanto assim: recorrentemente nos surge uma devoção abléptica pelos ares da cidade, onde o Rio Tâmega ganha a dimensão e a beldade do Tejo, onde o Presidente da Câmara se torna num Obama com diferença apenas no tom de pele ou quanto muito por usar óculos, e onde, por fim, os desalentos se tornam, e pasme-se até o senhor com isso, em verdadeiros artistas impregnados de obras d'arte intemporais.

Assim sendo, toda e qualquer expressão de 'arte' que veja a luz do dia graças a um marcoense é de bradar aos céus. E aqui exclui-se automaticamente qualquer tentativa de parar um pouco para pensar: será realmente bom ou será porque o conheço? Tornar-se-ão meros escritos se frases soltas e inócuas numa elite intelectual digna de uma revista como Orpheu?
São questões inoportunas, compreendo-vos; afinal, quem ousar quebrar esta corrente de tudo ser «do bom e do melhor» e, sobretudo, ser marcoense? Ninguém. Nem eu.

E é desta forma que o povo se habituou sempre a viver e a lidar muito bem com as mentiras - porque as transformam em verdades, ainda que erroneamente falando. Mas deixemo-nos de diplomacia: considerem bom o que realmente é bom; considerem mau, digam-no firmemente, quando o é de facto.
E não se apoquentem: o que é bom será sempre reconhecido.

Álvaro Machado - 02:47 - 14-07-2015

domingo, 12 de julho de 2015

A cimeira da crucificação

Desenganem-se os crentes. Os líderes europeus e, em especial, o Presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem, mestre por sinal reconhecido por todos menos pela universidade irlandesa (University College Cork), fazem tudo para humilhar torpemente uma nação tão impregnada de valores como é a Grécia. Humilham um povo, hipotecam a geração de agora e do futuro, escarnecem do mal de milhares de pobres que nobremente lutam sem saber o dia de amanhã, e tudo porque estes senhores, chamem-lhe donos da Europa enquanto eu lhes chamo miseráveis, decidem impôr um plano económico a um país sem tampouco ouvir as propostas do outro lado da mesa.

Lembro-me que Varoufakis alertava, e alertou sistematicamente, para a falta de diálogo e de compreensão na mesa de negociações. Nunca o ouvimos recusar e negar a culpa dos governos gregos no preenchimento das lacunas sócio-económicas, da escassez de reformas de estruturais a fundo, da inevitável insustentabilidade deste sistema. Ouvimos, pelo contrário, Varoufakis pedir uma conjunto de reformas estruturais que não afectassem novamente os mais desfavorecidos, que a dívida se tornasse sustentável para que a Grécia voltasse aos mercados, mas tudo isso se tornou imperceptível para os ouvidos do Eurogrupo - assim sendo, divergia-se por meio ponto percentual no conjunto de propostas discutidas pelos credos e o ministro das finanças grego.

Todos ignoraram quando, no seu blogue pessoal, Varoufakis respondera directamente a Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, quanto à sua remissão para a negociação difícil 'de todas as partes'. É claro que hoje consigo decifrar plenamente o que isto queria dizer: o objectivo, desde do início, não era uma negociação 'de todas as partes', mas somente de uma única parte que impunha medidas dogmáticas a toda uma nação.
O pedido de reformas estruturais a fundo sem cortes nas pensões e nos salários, sem reduzir as condições de vida da população, nem sequer estava em consideração; estava, isso sim, uma agenda de mais cortes selvagens nos sectores mais frágeis, acompanhados de aumentos de taxas de juro.

Nada é ao acaso. As pessoas inteligentes, que questionam sempre os métodos impostos à força que se haviam tornado num paradigma dogmático, nem sempre são bem-vindas no seio dos mais poderosos. Assim, não tenho dúvidas que Varoufakis foi afastado por esses mesmos motivos, porque este pseudo-mestre do Eugrupo e Lagarde não suportaram um outro caminho, questionando o traçado por si, e com outras medidas à mistura.

Tsipras tem vindo a recuar nas negociações. O principal motivo de o fazer é, evidentemente, evitar mais disparidades do que aquelas que inevitavelmente surgiram nos últimos anos. Mas outra coisa, mais forte de todo esse desejo de reconciliação, atravessa-se no caminho do primeiro-ministro: um novo resgate, com ainda mais medidas asfixiantes para a economia e para a população, e com um tempo limite de aceitação no parlamento grego até quarta-feira, passando, dessa forma, a uma (quase) certa insustentabilidade democrática.

O fim desta farsa negocial começou ontem, quando Schäuble apresentava um documento com duas alternativas possíveis para a Grécia: permanecendo no Euro com um novo resgate ou com um 'time-out' onde, nos próximos 5 anos, estariam os gregos afastados desta união monetária, suportando-os com ajudas humanitárias caso necessário.

Tudo se resume, uma vez mais, às palavras de Varoufakis: «O problema é que a UE não gosta de democracia».

Álvaro Machado - 20:32 - 12-07-2015

quinta-feira, 2 de julho de 2015

El-rei regressa na apresentação do livro

Quem não gosta de ler um bom livro? Acaba por ser uma intimidade singela, esta do autor para com o leitor, quase num universo paralelo em que, longe compreensão, nos compreendemos perfeitamente. Desde cedo me habituei a ler: primeiro veio as Minas de Salomão traduzidas pelo Eça, depois o jornal expresso acabou por despertar uma veia mais crítica no sentido literal da palavra.

Como vos dizer..., sempre tive por gosto ler e, sobretudo, ler bons livros, bons jornais (subentenda-se aqui escritores extraordinários e cronistas de referência). A loucura de Dostoievski transposta num pedaço de papel, o universo apocalíptico em que Dumas construiu a personalidade de Edmond Dantès, em paralelo a mágoa profunda e o espasmo futurista de Álvaro de Campos, isso fez de mim o que sou hoje (os tais génios literatos), não duvidem disso nem por um segundo. As questões mais profundas, politico-económicas, político-sociais, democrático-concretas e democrático-abstractas, aprendi-as com os tais cronistas de referência, nomeadamente Miguel Sousa Tavares, Ricardo Costa, Daniel Oliveira, Pacheco Pereira (e por aí fora...).

Mas agora de volta à realidade. O que vos trago aqui é o recente lançamento do livro de Miguel Relvas. Não se apoquentem, ele nem é o autor como os autores que em cima falei nem é tão pouco "autor" na concepção nua da palavra; entenda-se: organizou o lançamento de um livro escrito a "meias" com Paulo Júlio e chamou os pesos pesados da política e do PSD.

"O outro lado da governação" - esse é o nome da grande obra. Eis que a cooperação entre Relvas e Paulo Júlio trouxe ar puro à literatura portuguesa e aos portugueses. Especialmente porque são dois ex-membros do governo, colocados na boca do povo injustamente. «Houve uma reforma profunda que não foi terminada, mas que foi bem feita», atira Miguel Relvas na apresentação de hoje.
Saiu por cima hoje. De consciência limpa, afinal trabalhou muito intensamente na reforma da administração local, fez muito pelo seu país. Miguel Relvas não apresentou um livro, fez política, aquilo a que está habituado portanto, e fê-la da pior maneira que há: a mentir e sem um pingo de vergonha.

Álvaro Machado - 23:29 - 02-07-2015