E se o Cristianismo voltasse a ser a revolução dos nossos dias?
Aquando da conclusão da sua intervenção nas Conferências do Casino Lisbonense, com o título Causas da decadência dos povos peninsulares, em 1871, Antero de Quental remata a sua intervenção com este célebre pensamento. “ O Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo: a Revolução não é mais do que o Cristianismo do mundo moderno.”
De facto, que Cristianismo é esse? Que Revolução devemos esperar?
Política e Religião. Talvez dois temas, duas matérias aparentemente distantes e talvez, talvez, bastante próximas.
Da Política sabemos que é uma das mais nobres das artes humanas. Sim! A Política também é uma arte, pelo menos, se não o é, deve aspirar a sê-lo, como mais tarde veremos. É pena que o poder autárquico marcoense não tenha essa consciência artística, nem na política nem na cultura! Blague!
Da Religião conhecemos os credos do mundo inteiro, as peregrinações, os cultos, os santuários. Uma humanidade inteira que se ajoelha perante deuses tão díspares e tão irmãos. O Amor.
Na verdade, se fizermos uma viagem até ao étimo da palavra religião iremos desvendar dois significados bastante interessantes.
Por um lado, encontramos, segundo Cícero, orador e político romano, relegere, o que significa voltar a ler; por outro lado, podemo-nos confrontar com o étimo proposto por Lactâncio, um dos primeiros escritores cristãos, religare, que podemos traduzir como voltar a ligar.
Ora, em ambos os casos está presente a necessidade de voltar,isto é, a religião surge aos olhos do Homem como algo primordial do qual nos desligamos no Alfa, no Início dos inícios, mas ao qual nos temos de voltar a unir. A unidade só existe na multiplicidade.
Assim, Religião é um retorno a algo perdido em nós.
É interessante notar como Platão, um dos maiores filósofos de todos os tempos, apresenta uma ideia semelhante quando fala do mundo sensível e inteligível, pois o homem, ser inteligível mas que vive no mundo sensível, deve voltar a ligar-se ao mundo inteligível.
Pois não há semelhanças entre os étimos de religião e esta ideia de Platão?
Já o étimo de política é diferente e pode ter várias significações, o que nos leva a escolher somente duas propostas que surgem como antonomásia de todas as outras. Uma é Politeia, que significa o direito dos cidadãos, enquanto outra é polis+technè, o que podemos traduzir como a arte política, de bem gerir a polis, cidade-estado.
Este último conceito vai ao encontro do que Mário Soares publicou no seu penúltimo livro intitulado “O Elogio da Política”, afirmando que a Política é das artes mais nobres do ser humano.
De facto, não é a Política a Arte de saber organizar, até certo ponto e de certo modo, a Sociedade, a Humanidade?
Após esta introdução aos vocábulos Política e Religião, voltamos a Antero e ao seu pensamento.
“O Cristianismo foi a Revolução do mundo antigo: a Revolução não é mais do que o Cristianismo do mundo moderno.”
O que é o Socialismo?
(Caro leitor, não estranhes se por vezes a voz que fala tomar uma atitude própria. Não te assombres se a voz ganhar vida própria e existir nestas palavras. Não te admires se, por vezes, surgir um eu que escreve e que pensa. Um eu que vive.)
Uma pergunta que me leva a reflexões repletas de silêncio e de pianos que choram enquanto penso no Socialismo.
Se penso como um amante das Letras, dir-vos-ia que o Socialismo é a Literatura dos Pobres.
Defino o Socialismo com três palavras grandes: Justiça, Igualdade, Verdade. Como se se tratasse de uma trindade profana, mas que no fundo, como iremos explicar, torna-se divina.
No fundo, qual é a base de todas as religiões senão o Amor?
Atentemos no Cristianismo, que é de todas as religiões aquela em que estamos mais inteirados, sendo crentes ou agnósticos, tendo em conta que não acredito no ateísmo (caso queiram colocar alguma dúvida sobre este ponto último comentem que responder-vos-ei prontamente).
O Amor, aliado ao Perdão, é o maior ensinamento de Jesus Cristo entre nós.
Só o Amor constroi, edifica e prevalece.
Há um ditado indiano que diz que “O Amor vence tudo”
Dois mil anos depois o Cristianismo prevalece. Dois mil anos depois o Amor prevalece.
Política e Religião. Estarão assim tão distantes uma da outra?
Socialismo e Cristianismo. Serão assim tão desfasados?
A Religião Cristã ergue-se na Cruz e brota do sangue de Cristo. Sangue e Água. Vida e Amor.
Deus é Amor, um dos ensinamentos maiores do Cristianismo. E o Amor leva à Verdade, a Deus.
Numa perspectiva religiosa, Deus é o mistério último da realidade, porque há outros mistérios como o universo e as leis que o regem.
O Socialismo procura uma sociedade mais Justa, mais Igualitária, onde a Verdade seja o pendão do poder.
Ora, não foi Cristo um homem, um deus que lutou pela Justiça, pela Igualdade e pela Verdade através do Amor? Não morreu Ele numa cruz, em agonia, por Amor à Humanidade? Não será isso uma forma de manifestar o Amor em estado puro? A Vida?
E desta forma nasceu o Cristianismo que foi uma verdadeira revolução do mundo antigo.
O Socialismo surge visivelmente em finais do século XVIII, inícios do século XIX, por Saint-Simon, Fourier, com a revolução industrial, os grandes êxodos rurais das capitais europeias da zona setentrional, com o advento do Romantismo nas Artes, sejam elas a música, a pintura, a literatura.
Porém, é em meados do século XIX que o Socialismo ganha verdadeira força, com Proudhon e depois com Marx.
O que nos interessa aqui é a perspectiva de Antero, pois para além de ser um socialista de cariz utópico, com linhas ideológicas de Proudhon, é português, daí esta nossa escolha. É preciso saber valorizar o que se faz, pensa e escreve no nosso país.
Ora, o Socialismo sempre lutou pelos pobres, pelos mais desfavorecidos. Nunca desistiu de assegurar melhores condições àqueles que viviam miseravelmente.
O Socialismo luta pela Verdade, contra a corrupção e todas as injustiças praticadas em nome da política e da democracia.
Antero via o Socialismo como a forma mais justa de tornar a sociedade mais igualitária, mais fraterna. Os que não tinham voz deviam ser ouvidos.
Não foi isto o que Jesus Cristo preconizou? Justiça. Igualdade. Verdade. Não são estas as condições sine qua non do Socialismo?
A nosso ver, o Cristianismo preconiza a Justiça, a Igualdade e a Verdade através do Amor, enquanto o Socialismo luta pela Justiça, Igualdade e Verdade para podermos chegar ao Amor. Duas formas não diferentes, mas complementares.
O Socialismo é como um Cristianismo profano, em que o seu deus é a Humanidade, enquanto o Cristianismo é como um Socialismo sagrado que diviniza o homem se ele souber amar e perdoar.
Eis a forma de vermos o Socialismo numa perspectiva do sagrado. Não será a Humanidade em si um deus tão grande como o Deus Cristão?
Se Religião é voltar a ligar Socialismo é voltar a ser homem em plenitude, no sentido em que é justo, igualitário e verdadeiro, no sentido em que através destas premissas nos divinizamos e elevamos esta coisa santa que é a Humanidade.
Política e Religião.
É certo que os Estados devem ser laicos, isto é, não ter nenhuma religião oficial de modo a haver tolerância religiosa.
E por tolerância entendemos o admirar e amar o outro por ser diferente, por ter uma outra riqueza que não a nossa, e não o aceitar por aceitar, o aceitar conforme o dever, utilizando aqui uma expressão Kantiana.
Assim, Política e Religião não estão tão longe uma da outra.
Assim, o Cristianismo e o Socialismo talvez caminhem de mãos dadas, porque o que interessa é a Justiça, a Igualdade e a Verdade.
Enfim, o Socialismo deverá ser o Cristianismo dos nossos dias!