segunda-feira, 30 de abril de 2012

O meu 25 de Abril




Corria o ano de 1969, quando fui surpreendido pela imposição do regime ditatorial salazarista a defender os territórios coloniais, pomposamente designados por “províncias ultramarinas”, mistificando assim a ideia de que Portugal era uma nação única aquém e além-mar.
Iniciei então a minha vida militar como “voluntário”, no ex - G.A.C.A – 2, de Torres Novas, tendo aí sido incorporado no Batalhão de Artilharia 2918 e embarcado em princípios de 1970 no velho “Niassa”, a caminho da ex – colónia Moçambique, como oficial médico da Companhia de Artilharia 2717, tendo regressado só a Portugal em finais de 1972.
Em Moçambique durante o desenrolar da minha comissão de serviço militar (pomposo nome dado a uma imposição), o privilégio de conhecer e conviver com alguns dos oficiais, que viriam a encarnar as figuras dos Capitães de Abril, revelando-se já no nosso convívio diário, como militantes duma mesma cruzada, a concretização dum sonho, que desde os meus tempos de estudante universitário, já então procurara com as lutas académicas da década de 60, a libertação de Portugal e dos Portugueses dum execrável regime político, completamente limitador do usufruto dos mais elementares direitos, como os direitos à liberdade de expressão e do pensamento, à livre circulação de pessoas e bens, o direito à livre reunião de pessoas, o direito à Escolaridade e à Saúde, com carácter universal e tendencialmente gratuito, o direito ao Apoio Social, etc..
Pude em breve, com a vivência nas nossas tertúlias, concluir que me encontrava entre gente com as mesmas afinidades e as mesmas ambições políticas, recuperar a Liberdade e restaurar a Democracia em Portugal, que um golpe militar fascista há muito nos tinha espoliado.
O convívio, quase diário, com capitães, como Sousa e Castro, mais tarde designado para porta-voz do Conselho da Revolução, como Cal e Simões, todos camaradas de armas do meu batalhão e que se revelaram mais tarde como agentes fautores na preparação da revolução de Abril de 74, permitiu-me tomar muito cedo o conhecimento, que algo estava em preparação e que deveria despoletar a curto prazo.
E tal veio a acontecer. Primeiro, o chamado Golpe das Caldas (da Rainha) a 16 de Março de 1974, chefiado por um dos mais corajosos capitães, o saudoso Salgueiro Maia. Depois, a Revolução de 25 de Abril, também conhecida pela revolta dos capitães.
Mas respeitemos a cronologia dos acontecimentos da minha vida.
Avisado como estava, recém-chegado a Portugal e ao meu Marco, terminada que estava a minha comissão militar de “voluntário” por imposição dum regime político ostracizado por todo o Mundo Livre, em meados de Setembro de 1972, logo tratei de me preparar e aos meus, para a possibilidade duma revolta militar, com características bem diferentes da célebre “revolução dos cravos”.
Com o meu irmão mais novo, estudante universitário em Lisboa, avisado para estar alerta e que me passasse palavra o mais cedo possível, se tal viesse a acontecer. E assim foi.
No dia 25 de Abril de 1974 pelas 06 horas da manhã, tocava o telefone na minha residência familiar, com a mensagem de alerta, breve e simples, do meu irmão “liga o rádio na Renascença”. Logo confirmei pela canção de Zeca Afonso, Grândola Vila Morena, repetidamente transmitida pela emissora, que a Liberdade estava a caminho, para nos devolver a Democracia e a Dignidade dum Povo livre.
A Revolução de Abril estava em marcha.
Nesse dia de Abril de 74, muitos de nós Marcuenses, rejubilando de alegria, calcorreamos as ruas do centro da ainda Vila do Marco de Canaveses, não nos cansando de dar vivas à revolução, aos militares, gritando Liberdade, Liberdade, debaixo dos aplausos e dos incentivos duma população em delírio. 
Para minha surpresa, no dia imediato, um grupo de cidadãos marcuenses, há muito lutadores pela Democracia, honraram-me com o seu convite para aderir ao MDMC (movimento democrático de Marco de Canaveses), convite que aceitei de imediato por entender ser meu dever lutar pela defesa da Liberdade e da Democracia e contribuir para a sua implantação no nosso Marco.
Ultrapassando a manifesta resistência de alguns, a incredulidade de muitos outros e ainda as dúvidas, as incertezas e os medos das semanas seguintes ao eclodir da revolução, os democratas desse movimento lançaram-se no terreno, deram a cara e o nome, tratando de ajudar a passar a boa nova e elucidar as populações de tudo quanto acontecia e se modificaria no seu futuro.
Nessa tarefa, verdadeira missão, recordo uns com saudade, democratas marcuenses como Eduardo Moura, João Silva, José Pereira Coutinho, que já partiram do nosso convívio, mas sempre presentes na nossa memória e outros, felizmente ainda entre nós, como Isabel Pinto, Júlio Correia Monteiro, Jorge Baldaia, Amadeu Queirós, Delfim Pinto, João Baptista Magalhães, Carlos Ferreira e tantos outros, que só a minha já fraca memória mos faz esquecer, mas que continuam na nossa saudade.
Só para que os mais novos tomem conhecimento e para que os mais desmemoriados se recordem, limitar-me-ei a citar os nomes dos elementos do MDMC, eleitos para constituir a Comissão Administrativa, que ficou a gerir os destinos da nossa autarquia municipal até às primeiras eleições livres em Democracia. Ei-los:
- Amadeu Marramaque, como presidente da comissão, Isabel Pinto, Júlio Correia Monteiro, Ramiro Pontes e Delfim Pinto, como vogais.
Nos primeiros tempos pós-Abril por todo o país e, também no Marco de Canaveses, seguiu-se, compreensivelmente, um período de alguma agitação social fruto da profunda mudança política, também da necessidade da aprendizagem duma vivência democrática, da noção dos direitos e deveres de cada um, que a revolução nos tinha devolvido.
Cometeram-se erros?
Sim, naturalmente tais erros eram passíveis de acontecer. Nada que nos abalasse a determinação em fazer vingar o sonho pelo qual tantos e tantos portugueses tinham lutado das mais variadas formas e nos mais diversos locais. Nunca nos faltou a paixão, a dedicação à causa democrática, o sentido de justiça, o respeito pelos valores democráticos, agora que finalmente nos tinham sido devolvidos por um punhado de valorosos militares.
 
Urge, porém, nos nossos tempos, defender Abril de 74, defender e incrementar a Liberdade, fortalecer a Democracia, agora tanto como em 74, pois os seus inimigos nunca desarmaram e os sinais dos tempos só parecem anunciar-nos nuvens de muito mau presságio no horizonte do nosso futuro. Teremos, nós os democratas, que nos revemos nos valores de Abril de nos unirmos, de constituir um bloco uno e indivisível, nunca esquecendo que o Povo unido nunca será vencido.

Viva o Abril de 74

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