quinta-feira, 10 de abril de 2014

A Gaitada da Decadência. O Curioso caso da Livração que nunca o foi e sempre o é.




Livração, Santo Isidoro e Toutosa – A guerra da reforma administrativa em miúdos.
“ Temos mais de 750 anos de história” esfarrapados pela foice e martelo do eleitoralismo de café, mercearia e padaria.


            Querido leitor amigo, é tempo de Quaresma, tempo de arrependimento, tempo de reflexão sobre as nossas acções, sobre as nossas lutas e sobre as nossas causas. O Cristo cristão, perdoa-nos esta quase tautologia, mas é que há e houve (houveram?) muitos cristos ao longo da história. Uns de toga, outros de sandálias, outros ainda de turbante. Um Cristo que é mil Cristos e mil religiões, pois cada um de nós é uma fé. Mas isso não interessa! Concentremo-nos no que nos trouxe a esta Ágora de cores humanas com laivos de Justiça e Verdade! Eis-nos, pois, perante um tempo de reflexão e mesmo até de meditação!
            Há uns meses atrás – uns bons meses, deveras! – o ponto de ordem era a reforma administrativa, a reorganização das freguesias e suas respectivas implicações. Em Marco de Canaveses, como sempre, tudo foi pensado, estudado, tendo sido o povo, lógico, é Marco de Canaveses!, a decidir como seriam feitas estas alterações. Não estamos a ser irónicos, prezado leitor amigo! Nada disso! Gaitamos, simplesmente!
            Nenhum partido político apresentou uma proposta para essa mesma reorganização, aliás, nem a oposição que, comummente, tem o papel de ser do contra por não ser poder, mas isso de pensar também dá trabalho! Enfim, a única proposta que surgiu foi pelas mãos, cabeça, debate e consciência da finitude das capacidades intelectuais e humanas da Juventude Socialista, que não só apresentou uma proposta para a reorganização das freguesias, estando aberta a propostas de alteração e correcção, mas também organizou debates e conferências em diversos pontos do concelho. Esses debates, melhor dizendo, sessões de esclarecimento, contaram com a presença e apoio de quase todos os partidos com assento na edilidade marcoense. Quase todos, pois o PCP, ou então CDU-PEV, não mostrou sinais de interesse e cooperação.
            Ora, tempo de pararmos um pouco para bebermos um refresco no café enquanto ouvimos os entendidos na vida dos outros cochilarem e verborrearem tanto como nós.
            Das antigas 31 freguesias que tinha, o concelho marcoense passou a ter 16. Contudo, houve duas freguesias que se sentiram lesadas, bastante lesadas, ao ficarem aglutinadas sob o nome de Livração: Santo Isidoro e Toutosa.
            Fez-se a reforma, as respectivas mudanças, os autarcas locais de então acenaram e sorriram. Vieram as eleições autárquicas, o rebuliço da campanha e dos boatos, da caça e pesca ao voto. Em Toutosa até surgiu uma lona a afirmar que a freguesia tem mais de 750 anos de existência. (Houve dinheiro para a lona, mas para a cozinha da escola de Toutosa, que há muito precisa de novos equipamentos e cuja autarca de então tinha sido avisada para esse efeito, não houve, assim como para o cemitério e acessos, ou então até para a construção de uma casa mortuária). Ponto de ordem à mesa ou no balcão do tasco onde te encontrares, leitor amigo. Esquecemo-nos de alguns pormenores no meio de toda esta aventura erótico-eleitoral. A proposta da JS para as freguesias de Santo Isidoro e Toutosa era mais abrangente, pois propunha a criação de uma mega-freguesia de nome Livração, sim, mas onde se agrupassem Santo Isidoro, Toutosa, Constance, Banho e Carvalhosa, visto que o nome Livração é tido não como uma freguesia, mas sim, em primeiro, como um lugar, e segundo, por conta da santa “roubada” cujo nome é Senhora da Livração (ainda que a verdadeira padroeira seja Santa Cristina de Toutosa), em terceiro, este nome é dado a toda essa região que abrange as freguesias supramencionadas, tendo em conta que apresentam um folclore próprio e característico, assim como o antigo Correio da Livração, o afamado vinho da Livração que agora corre para as caves de Penafiel de outros afamados vinhos como o “Aveleda” ou “Casal Garcia”, assim como a estação de caminho-de-ferro e os bordados e casas típicas. A proposta da JS não foi aceite, mas os autarcas das duas freguesias envolvidas também nada fizeram, pois o presidente da então freguesia de Santo Isidoro aceitou tacitamente, não gastando dinheiro em lonas inúteis, mas antes em livros carregados de erros ortográficos, dias antes das eleições, acusando o actual presidente da freguesia da Livração de ser o culpado de toda esta trapalhada! Sim, porque, verdadeiramente, um presidente de assembleia é quem vai às assembleias municipais e tem poder. O presidente de então candidatou-se não para ser presidente mas para culpar os outros! Mas atemo-nos! Não entremos nas guerrilhas hipócritas. Fiquemos pelos factos e pela zombaria barata e de bordel. Vieram, portanto, as eleições, houve mudanças nos cargos e nos partidos com poder a nível das freguesias, havendo, contudo, desfasamentos interessantes na Livração, tendo em conta que houve duas maiorias absolutas: em Toutosa, para a CDU, em Santo Isidoro, para o PS, o que demonstra não só a divisão da população em termos ideológicos, mas em apego telúrico ou nacionalismo de bolso.
            Há poucas semanas atrás, um grupo de cidadãos, de livre e espontânea vontade, mas com consciência cívica, política e social, começou a visitar as pessoas, recolhendo assinaturas para que se levasse a assembleia a alteração do nome da freguesia da Livração. Houve mais de 800 assinaturas, o que corresponde largamente a mais de metade da população desta nova freguesia.
            Entretanto, a antiga autarca e respectivo séquito lançaram, também, uma proposta de alteração do nome da freguesia. Leitor amigo, estás tu a pensar que esse nome seria, pois, Santo Isidoro e Toutosa, tendo em conta as lonas e o pavoneamento do séquito e da dita  ex-presidencial criatura. Olha que não! A proposta foi Santo Isidoro e Livração! Então e as conversas com as senhoras, sempre as mesmas, nos cafés, nas mercearias e nas padarias? Então e a lona forjada a foice e martelo? Então e os 750 anos de história?
            Ficou assente na assembleia de freguesia, por unanimidade, atenção, voltamos a repetir, por unanimidade!, que, se possível for haver alteração, esta será para Santo Isidoro e Livração! Co’a breca, amigo leitor, companheiro desta quase investigação poirotiana! A mesma foice e martelo que forjaram a lona e todo o seu ideal serviram para destruí-lo com quatro votos! Da famosa expressão Shakespeariana “O meu reino por um cavalo”, passamos a ter “O meu quintal por 4 votos”! Como rapidamente se mudam os ideais, hein? Acreditamos que foi em nome das pessoas que se mudou, ideologicamente, de forma tão rápida, não por conta do eleitoralismo nem dos boatos, nem do facto de chamarem ladrão a este e aquele! Nada disso! Tudo em nome da esquizofrenia ideológica!
            Eis, então, a guerra dos tronos desta bela aldeia, melhor dizendo, a guerra da reforma administrativa em miúdos! Apesar de não morrer ninguém, felizmente, nesta guerra dos tronos morrem figuras como a seriedade, “o trabalho”, a “honestidade” e a “competência”. Em miúdos, não por ser breve, mas por ter sido esfarelada, como aquela pobre lona, por uma foice e um martelo qualquer. Atenção, estimado amigo leitor, não olhes para a lona como uma metonímia ou metáfora de alguém ou de alguma instituição! Nada disso! São somente 750 anos de história esfarelados por quatro votos que ergueram a lona que eles mesmo, sem hesitar, derrubaram.
            Ai Alexandre, César e Napoleão! Oh poderes infalíveis e dogmáticos! Oh sistemas que implodem! Oh golpes certeiros em jugulares morais e éticas!
            Agora é esperar e esperar, com o ensejo que o nome da freguesia se altere. Ao antigo autarca de Santo Isidoro, cabe-nos dizer-lhe que agora, talvez, possa deitar as culpas ao actual executivo, presidente  e pessoas que levaram isto para a frente! Pode culpá-los de terem tido a coragem, a frontalidade e a humildade que ele não teve! Se o fizer, pedimos-lhe que escreva um livro ou um manifesto sem erros ortográficos! Uma coisa decente, por favor! À ex-presidente de Toutosa, bem, com toda a educação e respeito, iremos perscrutar pelas mercearias, cafés e padarias da freguesia o que de novo se inventa em matéria de ficção.
            Como é bom podermo-nos orgulhar de todas estas histórias que mais parecem estórias!
            Enfim, caro leitor amigo, é este o momento para te dizer que esta também poderia ser mais uma ficção ouvida pelas mercearias e cafés daquela bendita freguesia que também é nossa! Acredita que sim, isto é só mais uma ficção! Agora imagina, pensa, se tudo isto fosse verdade! Que Gaitada que daria! Mas não nossa, que não temos voz para isso!


            Vamo-nos rir, e muito, e bastante, pois!