segunda-feira, 16 de abril de 2012

Crises Académicas: Génese e Consequências


Geralmente, as greves académicas reivindicam liberdade de associação, condições de bem-estar, serviços de carácter social, o direito de participar nos órgãos de administração, melhorias de qualidade de ensino e investigação, de ordem curricular, etc. O mal-estar político e social favorece a ocorrência de greves e, nesse caso, estas têm consequências políticas relevantes. Por exemplo,  a Greve Académica de 1907 surge na última crise do sistema monárquico com grande importância e permitiu ao rei D. Carlos transformar o governo Constitucional de João Franco em governo Ditatorial, provocando um maior descontentamento popular que favoreceu a instauração da República, que consagrou o direito à greve, logo em 1910. Meio milhar de Greves tiveram lugar entre 1910 e 1926. Entre estas, regista-se a de 25 de Novembro de 1921, na Universidade de Coimbra, com protestos contra as deficientes instalações para os estudantes. Uma das acções de protesto consistiu na ocupação do chamado “Clube dos Lentes” e ficou conhecida por Tomada da “Bastilha”. Esse dia foi consagrado como Dia do Estudante (alterada para 24 de Março em 1962). Este surto teve consequências graves, levando a Ditadura Militar e o Estado Novo a proibirem as Greves em 1927, 1934 e 1958. O direito à greve aparecera em Portugal na segunda metade do século XIX, com Leis de 1864 e de 1891. Com o regime salazarista advieram políticas anti-democráticas, violação da autonomia universitária, privação de direitos de opinião e de associação, crimes políticos de toda a ordem, com prisões, degredos e assassinatos, o mediocrizar das universidades por expulsão e expatriação de professores,  com consequente degradação da qualidade do ensino e da investigação. As greves de 1962 e de 1969 surgem neste contexto e têm fortes motivações políticas que muito contribuíram para a democratização do regime. Para falarmos da greve de 1969, não podemos deixar de a contextualizar e, para isso, temos que evocar a de 1962.

A GREVE DE 1962

Em 1961, as comemorações do 25 de Novembro reuniram em Coimbra estudantes de todo o País. Num jantar com mais de 200 pessoas surgiu o grito “queremos paz” que foi levado para as ruas em cortejo originando represálias policiais e prisões que suscitaram uma vaga de apoio e indignação em todo o país. É neste clima que, em 1962, vários encontros de dirigentes associativos conduzem à criação de um Secretariado Nacional de Estudantes Portugueses que, por sua vez,  promoveu o primeiro Encontro Nacional de Estudantes, em Coimbra, ignorando, frontalmente, um decreto-lei governamental de 1956. Esta rebeldia provocou instauração de processos disciplinares e suspensão de dirigentes associativos ao que Coimbra respondeu com luto académico e a greve às aulas.
As associações de estudantes de Lisboa, sem autorização do Ministério da Educação Nacional, iniciaram as comemorações do dia do estudante a 24 de Março de 1962. A Cidade Universitária foi invadida pela polícia de choque; a cantina foi fechada, muitos estudantes foram espancados e presos. Isto desencadeou uma reacção de repúdio, com luto académico e a greve às aulas. Marcelo Caetano, Reitor da Universidade de Lisboa, consegue mediar uma solução negociada com os estudantes que voltavam às aulas, mas realizaram um alternativo dia do estudante nos dias 7 e 8 de Abril. O Ministério voltou a proibir as comemorações e Marcelo Caetano demitiu-se, segundo uns, por se sentir desautorizado ou, segundo outros, em protesto contra a violência da polícia sobre os estudantes.
Em reacção, os estudantes repuseram o luto académico e desceram até ao Ministério reivindicando autonomia. A greve às aulas continuou até ao fim do ano com confrontos entre estudantes e polícia em Lisboa, Porto e Coimbra. Em represália, o governo reagiu com um decreto-lei que deu poderes ao Ministro da Educação para proceder disciplinarmente contra os estudantes e mandar suspender ou prender dirigentes associativos e outros estudantes.
Apesar disso, os estudantes reuniram-se no Instituto Superior Técnico no dia 14 de Junho, aprovando uma resolução que associava à sua luta pela autonomia universitária, a luta pela autonomia associativa, violando novamente  o  decreto-lei de 1956 que permitia ao Ministério da Educação controlar as reuniões associativas e suspender  ou extinguir as direcções eleitas ou substitui-las por "comissões administrativas". Uns estudantes foram presos, outros expulsos da Universidade em Lisboa, Porto e Coimbra.

Esta tentativa autoritária do Governo provocou a união dos estudantes, incentivando-os a empreenderem lutas pela preservação das suas associações democráticas, mesmo dentro de uma camisa-de-forças ditatorial. Neste processo estavam, entre outros, Jorge Sampaio e Jorge Araújo. Mais tarde, o 24 de Março foi consagrado como Dia do Estudante, pretendendo evidenciar a importância que esta crise académica de 1962 teve como um dos principais abalos do regime salazarista, breves anos após outro abalo que foi o da candidatura presidencial de Humberto Delgado.

A GREVE DE 1969

Neste contexto, entre 1965 e 1968 a Associação Académica de Coimbra foi liderada por uma Comissão Administrativa nomeada pelo Governo e os estudantes foram impedidos de participar no Senado e Assembleia da Universidade (como já acontecia anteriormente) até que, em 1969, foram permitidas eleições. Alberto Martins foi eleito presidente da AAC.
 A crise de 1969, surge um mês mais tarde, a “17 de Abril” na sala que, depois, recebeu esta designação. Da comitiva governamental faziam parte Américo Tomás, o Ministro da Educação e o Ministro das Obras Públicas. Os acontecimentos são conhecidos em pormenor (Celso Cruzeiro, por exemplo, publicou em 2009 um livro sobre este evento). Refira-se, brevemente, que Alberto Martins pediu a palavra ao Presidente da República, que lha recusou, alegando que estava a falar o Ministro das O. P. A cerimónia, terminou logo após o MOP acabar de proferir o seu discurso, sem mais, e a comitiva governamental escafedeu-se. Foi então que os estudantes encheram a sala em assembleia improvisada para comentar os acontecimentos, sem incidentes. Alberto Martins seria preso nessa noite pela PIDE.
Isto desencadeou, por um lado, uma série de acusações e acções governamentais e policiais e, por outro, uma série de debates e Assembleias Magnas dos alunos sobre os problemas da Universidade, como os já referidos mais acima, o afastamento de professores por razões políticas; a perda de valores humanísticos e da autonomia de investigação; a subordinação a interesses económicos de cariz tecnocrático, a critérios de desenvolvimento capitalista e objectivos financeiros, a que o processo de Bolonha não é alheio.
Foram decretados luto académico e greve às aulas, repudiadas palavras do Ministro com apoio de muitos docentes. Com a Universidade encerrada por decreto  até aos exames, os estudantes cancelaram a Queima das Fitas e, no dia 28 de Maio, realizam nova Assembleia Magna com a presença estimada em cerca de 6 mil estudantes, onde foi decretada greve aos exames. Partilho as palavras de José Baldaia (à data, presidente do CITAC e uma das vítimas de represálias), ao afirmar que isto foi novo e de grande importância; o regime foi abalado a tal ponto que aplicou castigos absolutamente inéditos na história do fascismo e da Universidade;  nomeadamente, a incorporação militar compulsiva de quase todos os dirigentes das estruturas associativas e culturais; isto perturbou seriamente a hierarquia militar, a ponto de esta ter  desempenhado um papel fundamental na solução do problema ao exigir que o "castigo" fosse anulado.
A 2 de Junho, Coimbra foi sitiada pelas forças policiais e a Universidade ocupada por GNR, PSP e Polícia de choque.

AS CONSEQUÊNCIAS

O Ministro da Educação Nacional e o Reitor foram demitidos e substituídos, numa tentativa de pacificação da academia. A chamada “Primavera Marcelista” não tinha a força política nem anímica necessária, para levar a bom termo as reformas e democratização das estruturas universitárias; mas, embora timidamente, foi um começo; estava aberto o caminho; a sensibilização geral provocada por estas crises, a sensibilização relativa dos meios militares para a injustiça e inutilidade da guerra colonial permitiram que, apesar de uma forte, fascista e cruel polícia política e de uma GNR inculta e fiel ao regime, cinco anos mais tarde, o 25 de Abril de 1974 viesse consagrar esse objectivo.
Hoje, os estudantes manifestam livremente as suas reivindicações, num ambiente democrático de respeito pelos seus direitos, liberdades e garantias. Aquilo que foi conseguido, por pouco que pareça, é de valor incalculável.

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