domingo, 22 de abril de 2012

Pátria Lugar de Exílio, 25 dias, 25 poemas



O poema de hoje é da autoria de Daniel Filipe, intitulado Pátria Lugar de Exílio.
Daniel Filipe nasceu em Cabo Verde mas cedo veio para Lisboa onde terminou os seus estudos.
Foi colaborador em revistas como Seara Nova e Távola Redonda.
Combateu o regime salazarista e foi várias vezes preso pela PIDE.
O poema seguinte mostra-nos um sentimento de claustrofobia política e existencial.
Neste ano de 1962não como Hazim Hikmet no avião de pedra 
mas na minha cidade
livre de ir onde quiser
e no entanto prisioneiro
neste ano de 1962
exactamente 

em Lisboa
Avenida de Roma número noventa e três
às três horas da tarde
Neste ano de 1962 
encostado a uma esquina da estação do Rossio 
esperando talvez a carta que não chega
um amor adolescente
meu Paris tão distante
minha África inútil
aqui mesmo
aqui de mãos nos bolsos e o coração cheio de amargura
cumprindo os pequenos ritos quotidianos
cigarro após o almoço
café com pouco açúcar
má-língua e literatura
Aqui mesmo a não sei quantos graus de latitude 
e de enjôo crescente 
solitário e agreste
invisível aos olhos dos que amo
ignorado por ti pequeno empregado de escritório preocupado
com um erro de contas
incapaz de dizer toda a minha ternura
operária de fábrica com três filhos famintos







Aqui mesmo envolto na placidez burguesa higienicamente limpo e com os papéis em ordem vestido de nylon dralon leacril
com acabamentos sanitized
e lugar marcado junto ao aparelho de TV
eu
enjoado de tudo e contemporizando com tudo
eu
peça oleada do mecanismo de trituração
eu
incapaz de suicídio descerrando um sorriso-gelosia
eu
apesar de tudo vivo apesar de tudo inquieto
eu
neste ano de 1962
exactamente
não ontem mas precisamente às três horas da tarde
pela hora oficial
exilado na pátria




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