quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Pedro Nuno, o Malvado por Manuel Alegre


"Neste país em diminuitivo / Respeitinho é que é preciso" . Assim escreveu Alexandre O’Neill, assim continua a ser. O pecado de Pedro Nuno Santos foi esse: marimbou-se no respeitinho, não tanto pelos bancos alemães, nem pelo pagamento ou não da dívida, mas pelo dogma dominante. Marimbou-se, terrível heresia de linguagem, susceptível de conduzir a outras bem mais graves. Marimbou-se, expressão que podia ser escrita (ou dita) por Aquilino ou Torga, e é utilizada na fala corrente, pelo menos no distrito de Aveiro, onde, pelos vistos, ainda não entrou aquilo a que Sophia chamava “o capitalismo das palavras” e onde, talvez não por acaso, ocorreu a primeira revolta liberal contra o absolutismo miguelista. 

Pedro Nuno teve mais sorte do que os aveirenses então enforcados e decapitados na Praça Nova, no Porto, mas não escapou a um auto de fé mediático, não fosse o diabo tecê-las e o seu estar-se marimbando provocar um incontrolável efeito de contágio. Por isso não houve editorial, comentário, noticiário televisivo que não tenha tentado fazê-lo arder nas chamas da norma. Além, é claro, das setas para baixo, apontando-o ao inferno dos que se marimbam e ousam pensar pela sua cabeça e falar fora das regras do politicamente permitido. 

Deixemo-nos de hipocrisias: não foi pelo peso político de Pedro Nuno, nem pela substância do que ele disse naquele contexto, que os novos absolutistas quiseram cortar-lhe metaforicamente a cabeça; foi pela forma, já que, desde Camões, se sabe que, em se mudando a forma, “se mudam os gostos dela” , que é como quem diz: muda-se a forma e, a páginas tantas, subverte-se a ordem estabelecida. No caso concreto, a hegemonia ideológica da direita e o dogma de que não há alternativa às suas políticas, que é o tema e o título do livro de Bertrand Rothé e Gérard Mordillat, recentemente apresentado por Alfredo Barroso, num notável texto, que sublinha o facto de o sistema neoliberal gerar "uma cidadania despolitizada, caracterizada pela apatia e o cinismo" e precisar que "a população seja desviada das fontes de informação que a habilitem a formar opinião e a intervir nos processos de tomada de decisão" . Ordem unida, perfilados de medo, recitando a mesma cartilha, papagueando a mesma linguagem. País em diminuitivo, vida vidinha, respeitinho. Eis o que é preciso. E quem se marimbar é malvado, como diria Ary dos Santos, no seu poema "Os bonzinhos e os malvados". "...Dum lado os bonzinhos/com muito cuidado"... "Do outro os malvados / gritando na rua" . Pedro Nuno não teve cuidado. Estar-se marimbando é uma forma de gritar na rua. Eles não perdoam, os bonzinhos que todos os dias e a toda a hora nos impingem o que pensar e o que dizer. Há um senão, eles, os bonzinhos, não são, nunca foram a liberdade. Por isso eu ponho-os de seta para baixo e, de seta para cima, porque ele se marimbou, coloco o Pedro Nuno, esse malvado.

21-12-2011 Manuel Alegre, DN

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