sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A REFORMA INSTANTÂNEA

Ainda que extemporaneamente (a decisão acerca da Reforma da Administração Local foi tomada no passado dia 8 de Outubro), decido agora proferir umas breves palavras acerca daquilo que foi, no meu entendimento pessoal, o processo de reorganização administrativa em Marco de Canaveses. Desde a própria condução do referido processo, até à própria decisão definitiva, uma ideia ficou patente: o modo instantâneo utilizado para levar a cabo uma reforma de tal envergadura. Como se de uma receita de culinária, daquelas simples e rápidas, se tratasse. Ora vejamos:

Ingredientes:
  • 1 Comissão Municipal para a Reforma da Administração Local dotada de pouca utilidade;
  • 1 Presidente da Câmara passivo;
  • 1 pitada de diálogo e discussão;
  • Falta de coragem e visão redutora q.b.
Modo de preparação:

1 - Cria-se uma Comissão Municipal para a Reforma da Administração Local, presidida pelo Presidente da Assembleia Municipal e composta por membros dos vários partidos com assento na referida Assembleia. Reúne-se a Comissão algumas vezes no final do ano de 2011 e nos primeiros 2 meses de 2012. Deixa-se repousar até Setembro, a menos de 1 mês da tomada de decisão. 

2 - Adiciona-se à Comissão um Presidente da Câmara passivo, que ao longo dos vários meses se limitou a não proferir uma opinião esclarecida acerca do tema.

3 - Depois de misturados os dois ingredientes anteriores, junta-se uma pitada de diálogo e discussão. Atenção: não é aconselhável uma grande quantidade! Tal pode deturpar o resultado final. 

4 - Ao longo de todo o processo, adiciona-se falta de coragem e visão redutora q.b., que serão decisivas para o sabor que o preparado irá obter no final. 

5 - Por fim, coloca-se o preparado na Assembleia Municipal extraordinária e deixa-se cozinhar durante aproximadamente 5 horas, findas as quais se serve à população marcoense.

Efectivamente, deve questionar-se desde logo a utilidade de uma Comissão Municipal para a Reforma da Administração Local e, mais do que isso, a sua própria liderança. Parece-me inconcebível que, desde o início do ano até Setembro, o presidente desta Comissão não tenha tomado a liberdade de agendar encontros para a discussão e eventual elaboração de uma proposta conjunta. Além disso, parecer-me-ia plausível que desta Comissão fizessem parte os presidentes de Junta das várias freguesias ou, pelo menos, deveriam ter sido consultados mais cedo e mais vezes. Seria, porventura, uma forma de levar a cabo uma auscultação real e efectiva das populações. Deste modo, deve perguntar-se: esta Comissão Municipal foi um "pro forma", só para manter a aparência de que a reforma estava a ser trabalhada?

A postura adoptada pelo Presidente da Câmara também não pode sair incólume às críticas. Durante todo o processo, não se conheceu uma opinião esclarecida e/ou esclarecedora do edil marcoense. Chegada a Assembleia Municipal extraordinária era expectável que o tivesse feito. Era o mínimo! Quebrando todas as expectativas, ao longo do seu discurso na dita assembleia, os marcoenses pouco ou nada ficaram a saber acerca da opinião do presidente da Câmara no que à reforma administrativa diz respeito. Esperava-se um presidente mais activo, mais convicto. Sinceramente, apesar da decisão final ter sido fruto de uma proposta do PSD (o próprio partido do presidente da Câmara!), não pareceu haver convicção na defesa dessa mesma proposta por parte do presidente.

A falta de diálogo e discussão é outra das notas marcantes que envolveram este processo, o que acabou por se reflectir, inevitavelmente, na própria decisão definitiva. Houve pouco diálogo e poucas tentativas de se alcançarem decisões concertadas e minimamente consensuais. Enfim, houve uma discussão quase camuflada e feita, não raras vezes, à revelia das populações. Quando faltavam apenas duas semanas para a tomada de decisão, pouco ou nada se sabia do que ia ser das freguesias futuramente - que agregações iam acontecer; onde ia ser a sede e qual seria o nome da "nova" freguesia; que propostas estavam a ser discutidas. E estas eram questões que suscitavam a curiosidade e o interesse de grande parte dos marcoenses. Se a discussão tivesse sido fomentada e se se tivesse alimentado o diálogo, a população sentir-se-ia mais responsável nesta tarefa e o Marco teria saído a ganhar. Ainda neste âmbito, não pode deixar de referir-se, mais uma vez, o papel desempenhado pela JS Marco. Esta estrutura político-partidária, ainda que de escassa dimensão e expressão no contexto concelhio e ainda que não se inclua no grupo dos responsáveis decisores, tomou a iniciativa e realizou um ciclo de sessões de esclarecimento nos meses de Junho e Julho acerca desta tema e teve a "ousadia" de apresentar um mapa com uma diferente organização administrativa.

Por fim, e como forma de caracterizar sinteticamente toda a condução do processo da reforma da administração local e a decisão que daí se extraiu, devo mencionar a tremenda falta de coragem e predominância de uma visão redutora que, mais uma vez, prejudica o nosso concelho. Presume-se que a falta de coragem esteja intimamente relacionada com a proximidade das eleições autárquicas. Indesculpável, portanto! Por sua vez, a visão redutora que mais uma vez imperou é, além de indesculpável, preocupante. Falou-se constantemente no receio que a reforma administrativa no Marco fosse feita "a régua e esquadro" por uma Comissão Técnica sedeada em Lisboa. Mas nunca se pensou para além disso. Nunca se viu verdadeiramente a reforma como uma oportunidade  - por muito que a criticássemos (eu própria o fiz em diversas ocasiões e em relação a diversos aspectos), podiamos tê-la aproveitado para, por exemplo, avançar com a criação de novos pólos de crescimento e desenvolvimento sustentado e sustentável. Parece-me que ficamos a meio do caminho nesse sentido. Apontando mais um exemplo, não considero plausível que a freguesia de Sobretâmega não se tenha agregado a nenhuma outra, mormente às freguesias que se inserem na nova freguesia da cidade, o Marco. Continuamos a crescer, ou a tentar crescer, de costas voltadas para os nossos recursos - o rio e o principal eixo/via de comunicação e ligação do Marco de Canaveses.

Enfim, as "receitas instantâneas" iludem pelo seu pragmatismo e facilidade. Têm sempre um senão: deixam sempre a desejar em termos de qualidade. Parece ser este o caso.

1 comentário :

  1. Parabéns Ana Moura Pinto.Excelente crítica analítica.
    Efetivamente a Comissão Municipal para a reorganização administrativa não passou dum nado-vivo com grandes malformações congénitas e como tal condenado a não sobreviver,obviamente na ótica do P.S.,ou melhor,na minha ótica pessoal.A demissão do P.S. da Comissão Municipal para a reorganização do território só pecou por tardia,no meu entendimento.
    Para além da falta de legitimidade de que esta comissão sofria (não foi eleita,nem votada no órgão próprio,a A.M.),mas antes fabricada nos bastidores com intenções muito discutíveis,como o decorrer do tempo veio a demonstrar,haverá que considerar ter sido logo à partida boicotada na sua finalidade,politicamente falando,pelos outros partidos representados na A.M. e convidados a aderir à comissão.
    Decidiram os restantes,P.S. e P.S.D.,ficar e aguentar com as custas da discussão,quanto a mim erradamente,pois competiria à autarquia municipal por intermédio do seu executivo conduzir o processo.
    Esta tomou a posição mais cómoda e menos desgastante possível,politicamente falando,abdicou de tal,como aliás lho concedia a lei 22/2012 e delegou não na A.M.,como impunha a lei,mas numa comissão ad hoc presidida pela segunda figura da autarquia,o senhor Presidente da A.M..
    Depois e penso ter sido bem explícito na minha intervenção na A.M. extraordinária,por razões nunca suficientemente bem explicadas o presidente da comissão deixou decorrer o tempo - depois duma reunião em fins de Janeiro de 2012 só marcou nova reunião em Setembro de 2012.
    Os argumentos para tal pausa de vários meses foram desde o tradicional período de férias à convicção que mais dia menos dia iriam surgir projetos de mapas do P.S. e do P.S.D.,ou mesmo a hipótese dum mapa conjunto e consensual dos dois partidos.
    Recordo que a reorganização administrativa se iniciou com o polémico documento,o Documento Verde,que teve enorme contestação,a ponto do governo decidir alterá-lo através da lei 22/2012 de 30 de Maio.Ora nem mesmo o aparecimento desta nova lei,com normas e regras diferentes,provocou a marcação de novas reuniões da comissão por parte do presidente da comissão municipal.
    Que cada um retire as suas próprias conclusõea desta travessia no deserto.
    Quanto à presença dos senhores presidentes de junta na dita comissão municipal,recordaria que estiveram representados desde a primeira hora naquela,através da presença de um presidente de junta eleito por cada partido convidado a constituir a comissão.
    Se houve taticismo político-partidário excessivo nesta discussão de enorme importância para o futuro dos Marcoenses?
    Deixo a resposta possível à consciência de todos os meus conterrâneos.

    João Valdoleiros

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