quinta-feira, 29 de março de 2012

Empreendedorismo Social - Parte II por José Carlos Alves


A saída da crise pelo combate à pobreza

Entendo que poucos perceberam o cerne da actual crise financeira internacional e, que por isso, não a estão a atacar no seu ponto certo. John Kenneth Galbraith, a propósito da crise de 1928, colocou a desigualdade na distribuição de rendimentos como sendo a sua principal causa. O problema não era o consumo, mas existirem poucos consumidores, o que tornou a economia dependente de um alto nível de investimento ou de um elevado nível de consumo de bens de luxo, ou de uma composição de ambos. O capitalismo moderno tentou resolver o problema através do crédito. Mas, a solução passa necessariamente pela correcção real das desigualdades na distribuição de rendimentos. Numa sociedade onde a riqueza é melhor distribuída, esta circula melhor. Mais vale entregar migalhas a milhões, do que muito a poucos.

Considero que a origem desta crise não está errado acesso ao crédito. Não se podem assumir alguns dos comportamentos desviantes a este nível como a regra geral. Mas, que a sua razão está na queda do rendimento disponível das pessoas. As tais pessoas que são o princípio e o fim de tudo. Então, há que combater esta queda do rendimento disponível das pessoas[1], das tais pessoas que se constituem em Estado, em empresas, em contribuintes… que são o princípio e o fim de tudo o que existe no mundo.

A Queda do Muro de Berlim em 1989 eclipsou o ideal socialista da Economia Estatal ou Planificada, enquanto a crise do Sub-prime nos EUA em 2007 esteve na origem de um tremendo abalo do sistema financeiro à escala global, obscurecendo o paradigma liberal da Economia de Mercado. Na altura, cerca de 95% do montante das trocas monetárias realizadas em todo o mundo diziam respeito a transacções de natureza puramente financeira e especulativa. As taxas de crescimento económico dos países desenvolvidos eram permanentemente baixas. Cerca de 15% da população mundial consumia 80% dos recursos disponíveis no planeta e quase metade da humanidade vivia na pobreza (com menos de 2 dólares/dia).

É assim por demais evidente que estes sistemas têm de ceder o seu estatuto predominante à Economia Social e Ambiental de Mercado, único modelo de desenvolvimento sustentável para o século XXI. Segundo Philip Kotler, “o crescimento da economia mundial dependerá da forma como se conseguir transferir poder de compra para as mãos dos mais pobres, seja desenvolvendo produtos apropriados e baratos, seja promovendo o empreendedorismo”, “ … a solução passa pelos 4 mil milhões de pessoas que vivendo em posição de pobreza relativa – rendimentos anuais inferiores a três mil dólares – passem a ser encarado como consumidores em potência”. E acrescenta ainda “ Há sobrecapacidade de produção. O problema é que a classe média não vai consumir muito mais, já tem o que precisa. O desafio é, então, fazer da base da pirâmide um segmento de mercado, numa dupla aposta, negócio e combate à pobreza”.

Hoje, mais do que nunca, a utilidade marginal de cada cêntimo despendido a mais em actividades que visam interromper o ciclo de pobreza é incomensuravelmente superior à utilidade do dinheiro que se gaste em outra actividade económica, seja ela qual for. Nas actuais circunstâncias de profunda crise, na medida em que ao combater-se a pobreza se está a contribuir para ampliar o mercado global a médio/longo prazo, não se vislumbra outra saída.

Não existe outro negócio com tanto tamanho acrescentado quanto este, não há outro tipo de projecto com um valor actualizado líquido mais garantido e precioso do que este de erradicar a pobreza.[2]

A questão é que a maior parte das soluções para a saída esta crise reside neste tipo de iniciativas, para a qual há que mudar a sensibilidade e a prática dos dirigentes, ao mais alto nível do país. É preciso fazer nova doutrina, no âmbito da economia social de mercado, para sairmos desta crise.


As Empresas Sociais

Estas caracterizam-se por regras muito simples: é um negócio que contribui para trazer o bem às pessoas, sem a intenção de directa e imediata do lucro mas da sustentabilidade. Quando se coloca 1 milhão de euros neste negócio, não se espera ter um retorno extra, mas tudo o que se pretende é recuperar o milhão de euros investidos, ao mesmo tempo que se cria uma empresa que resolve um problema social. Por exemplo, ao nível da saúde, através da uma empresa farmacêutica, que apresente ao mercado medicamentos mais baratos para que todos os possam comprar. Como não há intenção de lucro, será possível baixar os preços na comercialização, investindo-se menos nas embalagens e em campanhas de publicidade. As pessoas não são curadas pelas embalagens.

As pessoas funcionam por motivações, o segredo está na sua definição e dos prémios associados. Os incentivos dos mercados de hoje não são construídos de forma a encontrar a óptima afectação de recursos a mais longo prazo. O truque está em saber usar os interesses egoísticos em favor do bem comum. Os Gestores são premiados em termos de bónus se, em vez de maximizarem os lucros para a sua distribuição aos accionistas, alcançarem os objectivos sociais pré-definidos.


A âncora deste novo sistema: o Banco Social

E porque não combater a pobreza com um Banco Social? O projecto passa por mobilizar os activos financeiros não reclamados nos Bancos para o combate à pobreza. Em Inglaterra existem 19 mil milhões de euros em activos não reclamados e de carácter financeiro, isto é, contas bancárias não movimentadas há mais de 20 anos, juros de obrigações, dividendos de acções, prémios de seguros e certificados de aforro não reclamados e que, no fundo, pertencem à sociedade e não aos balancetes dos bancos, das seguradoras, das instituições em que estão perdidos. Segundo o Presidente da TESE – Associação para o Desenvolvimento, João Wengorovius Meneses “bastaria em que em Portugal se tivessem mil milhões de euros para se fazer uma revolução ao nível da coesão social”. Esta ideia foi apresentada de forma informal aos Governos, mas até hoje nada foi concretizado.

Em Inglaterra criou-se uma comissão de activos não reclamados e depois um Banco Social, sendo este que financia as políticas do Ministério para o Terceiro Sector, com dinheiro que pertence e deve ser devolvido à Sociedade. Em Portugal ainda está perdido nos balancetes dos Bancos e das Seguradoras. Mas não basta querer o dinheiro. É preciso uma lógica de actuação e os projectos que criem riqueza.

Exemplos, entre outros, de projectos concretos do Banco Social:

  1. Instituto Goia, Vitória, Espírito Santo, que capacita jovens para fazer restauros de edifícios históricos e para a geração de rendimentos para as suas famílias
  2. Verdadeiro micro-crédito, em vez do actual crédito-micro oferecido pela Banca
  3. O Joãozinho
  4. Bolsa de Valores Sociais
  5. Fundo Social para o Desendividamento
  6. Fundo de Reabilitação Património Religioso
  7. Fundo de Reabilitação Urbana
  8. Gestão Aeroportuária do Francisco Sá Carneiro
  9. Projectos de consolidação de empresas: comboios turísticos no Douro e Tua
  10. Marketing no apoio a causas sociais
  11. “NEW YORK OPPORTUNITIES” – prémios em vez de Subsídios
  12. Hortas Urbanas
  13. Banco de Terras Rurais para Empreendedores rurais
  14. Hipotecas invertidas para aumento rendimento de reformados
  15. Plataformas de co-working – HUB Porto
  16. Fundo para a Inovação Tecnológica Social (…)



O papel da Inovação social

Ainda predomina, frequentemente, uma visão assistencialista dos mais pobres e a maneira como as instituições sociais olham para os beneficiários ainda não é de igual para igual, sendo necessário passar a ver no outro uma oportunidade, em vez de um problema, sendo para isso necessário criatividade e imaginação, sendo que muitas das ideias que podem fazer a diferença nem custam dinheiro, apenas precisam de apoio na sua implementação.

A inovação tem sido considerada o principal factor de geração de valor ao nível da economia, dos negócios, da ciência… Porque é que no domínio social não se percebe que pode ser igualmente geradora de valor, tanto mais que as realidades sociais estão sempre a mudar?

O que é isto de inovar socialmente? Por exemplo, a Google e a General Electric criaram um contador que mede a energia eléctrica gasta, não em kws, mas em euros ou dólares. Este contador fica à vista e fica-se a saber quanto custa em energia o fazer uma torrada, o manter a tv ligada, etc., concluindo que gera poupanças mensais na ordem de 15% a 20%, só por alteração do comportamento das famílias, contribuindo para a questão energética do lado certo, o da procura. Em termos de impacto ambiental, se seis famílias pouparem este montante é equivalente a tirar um carro da estrada para sempre, em termos de emissões de carbono. Quanto custa ao Estado? Zero.


Exemplo de projectos inovadores, a nível financeiro: O Fundo de Desendividamento

“Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo.”

Mahatma Gandhi

Existem muitas pessoas que caíram na armadilha do sobre-endividamento, pelo recurso indevido a cartões de crédito acima dos seus rendimentos disponíveis, que estão a pagar taxas anuais efectivas superiores a 30% e que poderão até ascender a 34%, segundo a muito recente decisão do Banco de Portugal. O resultado é o não conseguirem amortizar o financiamento, estando a pagar nas prestações apenas o juro, ficando assim presos para longos períodos de tempo, com fortes impactos sobre a sua estabilidade pessoal e profissional.

Recordo um dia, após sujeito no Aeroporto de Lisboa a um controlo de bagagem de mão, de ser abalroado por alguém no seu trabalho de me conquistar para um cartão de crédito e do absurdo desta situação me parecer querer sinalizar algo…

Depois, veio o dia em que um amigo, rompendo o silêncio de uma vergonha não merecida, me pediu ajuda, por há mais de sete anos estar a pagar cerca de 400 euros mês – para um rendimento mensal de 600 euros – e que já não aguentava a situação de pressão, tendo o seu estado de espírito passado à fase de raiva e de revolta, antecipando-se o da perigosa passividade. Procuramos então uma Instituição Financeira que lhe emprestasse os 17.500 euros que devia (de um valor inicial de 10.000 euros), a uma taxa de juro decente e com a indicação de um plano de reembolso de capital e de pagamento de juros, que garantisse a integral liquidação da dívida. O empréstimo foi recusado, com o novo Banco a alegar a não regular situação junto do Banco de Portugal por incumprimento de prestações. A Instituição emissora do cartão de crédito exigiu que para a regularização teríamos de pagar a totalidade dos 17.500 euros... Ficamos com uma  " pescadinha de rabo na boca  " .

A substituição deste financiamento por um plano a prazo de reembolso, com uma taxa de juro moralmente adequada, permitiria, com menor esforço de pagamento, proceder à regularização desta situação num  dado prazo, de acordo com o exemplo que apresento: 

Em oito anos, como na situação que vivenciei, pagam-se em juros mais do dobro do capital emprestado, que se mantém totalmente em dívida. A uma decente taxa de Euribor + 4,5% = 6%, seriam pagos 5 mil euros em juros e reembolsado o capital em oito anos. Aliás, a DECO, se mais consciente da fórmula de cálculo de renda anuais, deveria exigir que, no caso do crédito à habitação, as rendas mensais incluíssem reembolso de capital desde o momento zero. O cumprimento, em condições adequadas, é também um projecto “win-win”. Ganham, (i) a entidade credora inicial, que não perde o seu crédito (se bem que com menores remunerações), (ii) o eventual novo Banco Financiador, que toma um cliente que percebe bem os riscos e os pesadelos do incumprimento e (iii) sobretudo, porque foi pensado para ele, o devedor, que verá a vida como ela deve ser vivida, com alegria e esperança.

Um mundo que não aprende com a história está condenado a repeti-la”, destacou recentemente, neste âmbito, o Presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick. O endividamento por taxas usurárias é uma forma de escravidão…É muito fácil ajudar, se derrubarmos a barreira do silêncio dos decisores acomodados. Posso ser muito ingénuo, mas para mim, a vida é para se ser feliz e sentir que os outros também o são.


O papel dos mais excluídos na dinamização económica: a Reabilitação Urbana pelos mais idosos

Em termos de ponto partida, admita-se que um reformado tem um imóvel desonerado, ou seja, sem qualquer hipoteca ou outra responsabilidade associada. E que pretende aumentar o seu rendimento.

Em Espanha, há instituições financeiras que disponibilizam soluções, em que é feita uma hipoteca sobre a casa, em troca da qual o proprietário passa a receber uma renda mensal vitalícia.

Com este sistema, as contas de alguns Bancos apontam para que um aposentado médio espanhol, que recebe uma pensão de 600 a 700 euros por mês, possa duplicar os seus rendimentos mensais. Neste país, trata-se de um veículo financeiro que funciona como um sistema complementar dos rendimentos de reforma, decisivo neste período de busca de soluções para a sustentabilidade da Segurança Social. Após a morte do mutuário, os herdeiros têm um ano para vender o imóvel e amortizar o capital e os juros em dívida. Ou, simplesmente, para liquidar o empréstimo e manter a propriedade. Se nada disto suceder, poderá sempre a Instituição de Crédito transferir o imóvel para Fundos de Investimento Imobiliário Especializados, previamente contratados, e acertar contas com herdeiros (sendo que os descendentes nunca herdarão a dívida que não possam pagar com a venda da propriedade).

Onde poderia aqui entrar a reabilitação urbana? Em termos complementares a esta solução? Presume-se a existência de muitos imóveis no Porto que são propriedades de famílias idosas, sem possibilidades financeiras para a sua recuperação, e destinados a habitação própria ou arrendamento. E se esse fluxo vitalício de rendimento, atrás apresentado, fosse afetável, parcial ou integralmente, ao pagamento das obras de recuperação? Que até potenciariam o seu próprio valor passível de hipoteca. Ou seja, complementarmente ao que é feito em Espanha, em Portugal seria como um veículo para o financiamento das necessidades com a reabilitação de edifícios que são propriedade de idosos, de uso próprio ou arrendamento (senhorios, idosos, com poucas posses).Eventualmente, dada a actual crise internacional precisamente nos mercados imobiliários, poderá este risco não ser passível de assumpção por entidades bancárias privadas. Mas, dentro daquele princípio em que a intervenção pública deverá existir para suprir as carências de mercado, parte dos fundos para a reabilitação do QREN poder-se-iam constituir, por esta via, como um Banco de Fomento da Reabilitação Urbana para imóveis propriedade de cidadãos da terceira idade.


O papel dos sistemas multiplicadores do rendimento

Devem-se procurar sistemas multiplicadores, distribuidores e indutores de impactos no maior número possível de agentes. Ou seja, em vez de se aplicarem 500 mil euros directamente na reabilitação de cinco edifícios da baixa do Porto, entendo preferível apoiar 20 projectos de micro-geração, no valor unitário de 25.000 euros, que depois proporcionam em cada casa uma renda mensal de 250 euros, capaz de suportar um financiamento de 75 -100 mil euros. Em vez de quatro casas, reabilitam-se vinte.

Ver parte I aqui.



[1]  - “Hoje, a maioria das pessoas acredita que a pobreza é parte da vida. A partir do momento em que se aceita isso, nunca se pensa em eliminá-la. Eu coloco a questão de outra forma: a pobreza não é parte da vida, não pertence à humanidade, é-lhe imposta de forma artificial pelo sistema. Sendo assim, podemos eliminá-la e libertar as pessoas dela. Se pudermos todos globalmente acreditar nisso, então é possível mudar isso e, globalmente, um dia eliminar a pobreza”. Muhammad Yunus
[2] Pedro Aragão Morais – Sector 3, Consultoria de Gestão

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