segunda-feira, 26 de março de 2012

Empreendedorismo Social - Parte I por José Carlos Alves


De acordo com um recente apelo de D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, aos jovens, “está na hora de fazer e de fazer bem” – isto é o empreendedorismo – e “de fazer o bem”  - isto é empreendedorismo social (ES) -.

Empreendedor é aquele que idealiza e mobiliza recursos para concretizar uma ideia de negócio. Apesar do conceito de empreendedor estar associado à ideia de criação de negócios privados e lucrativos, podemos estar a falar de projectos sociais com ou sem fins lucrativos. Importa, sobretudo, identificar os empreendedores sociais como aqueles que reconhecem e resolvem problemas da sociedade com soluções organizacionais que não privilegiam o lucro financeiro mas o seu avanço.

Qualquer novo movimento teórico e empresarial necessita de uma sistematização de conhecimentos, de um “framework”. para que se evite a perda do seu fio condutor e se corra o risco das raízes pouco profundas saírem desvirtuadas,

Assim, o ES é uma abordagem de Negócio, que se alicerça em elementos chave:
  • Aborda problemas negligenciados da sociedade
  • Desafiando a visão tradicional e o “status quo”
  • Concebendo modelos de negócio inovadores
  • Que capacitam as pessoas
  • Trazem soluções sustentáveis
  • Com um impacto positivo para a sociedade
O que é um problema negligenciado? Existem 70 milhões de minas activas no mundo, presentes em mais de 1/3 dos países e demorará 500 anos, ao ritmo actual, a encontrá-las e desactivá-las  

O impacto? As minas causam danos a entre 15.000 e 20.000 pessoas todos os anos. Custa 3 USD a produzir e colocar mas mais de 1.000 USD a localizar e a desactivar.
 

Que solução? Ratos Africanos treinados para salvar vidas, fazendo mais depressa e mais barato do que o método tradicional de peritos com detectores de minas.


Concebendo modelo de negócios inovador, capacitando as pessoas e com impacto positivo para a Sociedade.
Treino centralizado e uso descentralizado, cria emprego local e rendimento para agricultores que não podem cultivar a terra.




Mas, não precisamos de ir tão longe no mundo, e na parte final este texto vou debruçar-me sobre um problema negligenciado na nossa economia: a escravatura financeira.

O que significa tudo isto? Será apenas a mais recente moda da gestão, destinada em breve a ser substituída por outras? Será diferente do empreendedorismo tradicional? O que traz o empreendedorismo social de original, comparando com as IPSS, os serviços municipais e a responsabilidade social das empresas?

Vale a pena aprofundar estas questões...

And by directing that industry in such a manner, he intends only his own gain, and he is in this, as in many other cases, led by an invisible hand to promote an end which was no part in his intention. Nor it is always worse for society that it was no part of. By pursuing his own interest he frequently promotes that of society more effectually that when he really intends to promote it.
Adam Smith, The Wealth of Nations 1776

De acordo com esta perspectiva, que sustenta o sistema económico capitalista, se olharmos para o interesse próprio, temos um incentivo para desenvolver acções em nosso benefício. Se todos o fizermos, os recursos do mundo são naturalmente correctamente afectados, colocando os recursos de forma eficaz, onde são mais necessários.

A lógica do modelo capitalista, ensinado nas escolas de gestão e MBA é a da mão invisível, que é o mecanismo de mercado:
- O sistema é baseado pelo interesse próprio
- Para influenciar comportamentos, tento dar incentivos
- Quero capturar valor
- Usando a organização empresarial
- Maximizando o lucro na empresa
- Protegendo o conhecimento, não quero partilhar a competência
- Lógica de controlo da cadeia valor
- Construindo vantagem sustentável para as empresas, usando o conhecimento para capturar valor

Mas, será que este sistema funciona? Não há dúvida que sim... Tivemos 200 anos de extraordinário progresso económico e social, e o capitalismo de mercado recompensa o empreendedorismo e a inovação descentralizada, gera economias de escala pelo crescimento dos melhores, aumenta a sustentabilidade da oferta através da criação de indústrias e dá incentivos contínuos para melhorar a utilização recursos.

No entanto, existe um sentimento de que algo não está bem... Este sistema não respeita totalmente a natureza humana e tem lacunas que precisam de ser resolvidas Mas onde falha o sistema capitalista?
- O interesse próprio não é eficaz como guia de comportamento na presença de externalidades positivas – quando grande parte do valor criado numa transacção espalha para além se dessa transacção (ex. áreas de educação, vacinação)
- Há oportunidades de criação de valor para a sociedade que não são exploradas pelo mercado porque não permitem potenciar o lucro empresarial

Os governos devem intervir e corrigir estas falhas de mercado... E muitas vezes fazem-no, providenciando bens públicos que beneficiam a sociedade como um todo (ex., vacinação obrigatória e gratuita, recolha de lixo, educação primária). No entanto, os poderes públicos têm dificuldade em ouvir e resolver problemas com externalidades localizadas em segmentos específicos da população (muitas vezes os segmentos mais desfavorecidos - grupos sem voz activa ou sem capacidade de organização).

Mas, será possível um sistema mais fiel à natureza humana?

“How selfish so ever man may be supposed, there are evidently some principles in his nature, which interest him in the fortune of others, and render their happiness necessary to him, though he derives nothing from it except the pleasure of seeing it.”
Adam Smith, The Theory of Moral Sentiments 1759

O Homem preocupa-se com o seu interesse próprio mas também com o amor ao próximo. Será que conseguimos conceber um sistema económico mais fiel à natureza humana? O mercado não é a panaceia para a solução de todos os problemas. Quando existem externalidades negativas, faz-se mal à sociedade, a solução é má para a sociedade. E há coisas que se poderia fazer, que podem ser positivas para a sociedade, mas não o faço. São as externalidades positivas (vacinação e educação, por exemplo). Há oportunidade de criar valor, mas que não são exploradas pelo mercado porque não potenciam o lucro empresarial.

Os Governos devem intervir e corrigir as falhas de mercado e fazem-no, providenciando bens públicos. Quando alguém tem poder e voz as coisas são fáceis. Quem não tem poder muitas vezes é ignorado.

É aqui que entra o ES. É a procura de soluções sustentáveis para problemas negligenciados pela sociedade e que envolvem externalidades positivas. É a segunda mão invisível de Adam Smith, guiada pelo amor ao próximo, não pelo interesse próprio, conduzindo o sistema capitalista a melhores resultados ao alavancar de forma descentralizada, explorando sistematicamente oportunidades e incorporando externalidades positivas, criando assim valor para a sociedade.

E surge a mudança de paradigma, o antes e o após.

Vantagem Competitiva Sustentável
Soluções Sustentáveis
Lógica de Controlo
Lógica de Capacitação
Proteger o Conhecimento
Partilhar o Conhecimento
Maximizar o Lucro
Maximizar o Impacto Social (Missão)
Empresas
Soluções Sistémicas
Captura de Valor
Criação de Valor
Incentivos
Motivação
Interesse Próprio
Amor ao Próximo

O ES é a procura e implementação de soluções sustentáveis para problemas negligenciados pela sociedade que envolvem externalidades positivas.

O ES envolve uma abordagem não dogmática aos problemas da sociedade, utilizando as instituições mais eficazes para cada caso (mercados, governo central, governo local, comunidades, cooperativas). O foco central de atenção deve ser a solução sustentável para um problema social (e o modelo de negócio que lhe está subjacente), não a organização social – ex: micro crédito e o Grameen Bank. Quando se pensa em ter impacto, pode fazer mais sentido disseminar a solução do que crescer a organização. Os líderes empresariais e políticos podem aprender com as soluções inovadoras desenvolvidas pelos empreendedores sociais (lógica de capacitação, uso de recurso subvalorizados, foco em soluções sistémicas).

“If you want to go fast, walk alone
If you want to go far, walk together”

O mundo que conhecemos está em verdadeira mudança. Assistimos à decadência dos actuais modelos económicos e as novas gerações estão cada vez mais desprotegidas. Urge ter sangue nas guelras, querer agir com paixão e ética para responder a estes desafios que se colocam. Ser empreendedor social é perseguir finalidades sociais e o interesse colectivo, como a criação de emprego, o desenvolvimento local e mundial; é responder de forma inovadora a problemas e necessidades elementares, como levar água, energia e educação a populações carentes; é criar instrumentos e estruturas de trabalho, potenciando toda a mão-de-obra e capital intelectual que os nossos desempregados reúnem; é enfrentar estes e tantos outros desafios como oportunidades, recombinando pessoas, ideias e objectos em soluções para um mundo melhor.Com tantos problemas/necessidades sociais que temos para satisfazer, as oportunidades são imensas. Inspiremo-nos, sejamos criativos e mãos à obra!

Numa altura que tanto se fala de fiscalização aos apoios sociais, afinal:
  •     Que eficácia têm tido estas acções?
  • Que recursos humanos e financeiros têm sido envolvidos?
  • Que papel para a educação e para a formação neste domínio?
  • Que lugar para a inovação no combate à exclusão social?
  • Que política social deve ser desenvolvida?

(continua dia 29 de Março de 2012)

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