sexta-feira, 27 de julho de 2012

A dívida pública: uma questão de democracia

Paulo Trigo Pereira, professor no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e autor do livro "Portugal: Dívida Pública e Défice Democrático", concedeu uma entrevista à revista Exame de onde é possível extrair um conteúdo lúcido e realista acerca das finanças públicas portuguesas (e não só!).
O economista começa por afirmar que não será possível cumprir a meta de 4,5% para o défice público este ano sem recorrer a medidas adicionais. No entanto, e ao contrário do que muitas vezes nos fazem crer, as medidas de austeridade não são a única via possível. Aliás, Paulo Trigo Pereira acrescenta mesmo que mais medidas de austeridade seriam um "suicídio económico e político" e que economicamente não têm qualquer sustentabilidade. Pelo contrário, defende a dilação do período de ajustamento das contas públicas ou, alternativamente, o recurso a receitas extraordinárias.
O desvio significativo nas receitas fiscais entre a execução orçamental e os valores inscritos no orçamento também é um assunto abordado na entrevista. O economista refere que o erro do Governo foi essencialmente no IVA, o que se deveu a diversos factores. Desde logo, menciona o elevado optimismo do Governo, para acrescentar que este subestimou quer a recessão quer o impacto dos cortes nos subsídios de férias e de Natal. No que concerne a esta última medida, salienta que muitos dos valores inscritos no orçamento não foram posteriormente actualizados tendo em consideração a sua adopção. Nomeadamente, os impostos - devendo destacar-se o IVA - geraram uma acentuada queda do consumo, o que não foi levado em linha de conta, não se tendo recalculado os seus valores.
A parte mais interessante da entrevista chega quando se abordam os desvios face ao orçamento como problema recorrente em Portugal. Paulo Trigo Pereira considera que tal se fica ou ficou a dever à inexistência de uma instituição independente de análise das previsões governamentais - actualmente já existe o Conselho das Finanças Públicas, embora este só agora esteja a começar a contratar os seus técnicos, estando ainda longe de poder desempenhar a sua função na forma desejável. Por outro lado, o economista acaba por colocar o ónus na própria sociedade civil, que pouco tem feito na luta contra este problema. Salienta mesmo que as iniciativas da sociedade civil "são importantes para pôr os holofotes no orçamento" e destaca duas iniciativas em que está envolvido a este respeito - o Budget Watch e a Open Budget Initiative. Além disso, responsabiliza ainda as oposições em Portugal, referindo que os partidos políticos não possuem gente capacitada para analisar o orçamento, sendo necessário que estes invistam em recursos humanos na área das finanças públicas. Vai mais longe, e considera que os partidos são os principais responsáveis pela situação a que chegámos: "A democracia baseia-se nos partidos e os partidos fracassaram. Em toda a linha. Precisam de fazer uma autocrítica e reformarem-se".
Ora, quando confrontado com a questão da possibilidade/viabilidade de renovação dos partidos e das instituições, Paulo Trigo Pereira remete para a responsabilização de um número significativo de pessoas, fazendo apelo a uma maior intervenção cívica, a uma intervenção técnica, enfim a uma maior participação no espaço público. Considera que as medidas políticas devem discutidas antes de serem aplicadas - avançando até com o exemplo da reforma da administração local - pois se tal não suceder, iremos ser alvo de medidas pensadas à porta fechada, inexistindo debate público. Além disso, é imprescindível - acrescenta o economista - que se melhore a responsabilização e a prestação de contas dos poderes públicos, equacionando-se porventura a criação de um observatório do Parlamento.

E assim se constata (e esta constatação não é de agora!) que a par de uma dívida pública, Portugal enfrenta um défice democrático. Falo em défice democrático não no sentido de falta de liberdade, mas sim querendo referir-me a uma falta de participação cívica e a uma desresponsabilização notória dos cidadãos perante as questões públicas e problemas comuns e de interesse geral. A culpa é dos partidos políticos, sim! Em traços gerais, têm revelado alguma incapacidade para se renovarem. A culpa é também dos cidadãos, sim, daqueles que criticam (com razão!) os partidos políticos, mas que se acomodam com o estado das coisas . Em Portugal, parece-me, a intervenção pública está muito ligada e, talvez, circunscrita, aos partidos políticos - e talvez por isso lhes seja imputada uma (grande) fatia da responsabilidade. Falta, portanto, uma abrangente cultura de intervenção que vá muito para além dos partidos e que dê resposta aos desafios que actualmente nos são colocados. Porque o conformismo pode sair-nos muito caro!

1 comentário :

  1. Excelente comentário da Ana Moura Pinto,mais um elemento,com comprovado valor,desta J.S.,que veio e muito bem,agitar as águas e quebrar o marasmo que paraliza as gentes marcoenses.
    Efectivamente,quer a nível local(no Marco),quer a nível nacional,a prática da cidadania alcança valores ínfimos.
    Denotam os Portugueses,e os Marcoenses não fogem à regra,um desencanto crescente pelas práticas da política partidária,com o risco crescente dum saudosismo salazarento,tal como as ervas daninhas,vir a tomar conta da vontade de cada um e do todo.
    O Professor Paulo Trigo Pereira fala da necessidade duma maior intervenção cívica,sem a qual não é possível a renovação e reestruturação das máquinas partidárias e aponta com toda a propriedade para o amâgo do problema.Os responsáveis partidários estão,dum modo geral,mais preocupados com as suas imagens,com o mediastismo das suas acções,que propriamente com um trabalho de pedagogia política,fazendo com que a população entenda que praticar a cidadania não se pode limitar à prática do acto eleitoral.
    Usa dizer-se,que a nossa população ainda tem enorme déficit democrático,situação também referenciada e bem pelo Prof.Paulo Trigo Pereira,mas que me parece ser comum ao enorme déficit cultural de grandes franjas da população.Uma e outra no meu ponto de vista sobrepoem-se e completam-se.
    Lançaria aqui e agora,uma provocação à J.S. através da Ana Moura Pinto.
    A promoção a nível concelhio dum questionário simples para avaliação de conhecimentos sobre política partidária,com questões tão simples,como,por ex.,qual o partido do Presidente da República,o que é a Assembleia da República,quantas vezes o(a)cidadão(ã) inquirida esteve presente e ou participou em sessões na sua assembleia de freguesia,etc.?
    E sejam quais forem os resultados(à priori muito maus),denunciem-nos alto e bom som,para que a população possa julgar os responsáveis,penalizando-os exactamente com a única,mas poderosa arma que têm na sua mão,o voto.
    Poderá parecer-vos que a cruzada é longa,penosa,exigindo uma dedicação sem limites,reconheço que sim.Mas é também na vossa geração,que como Marcoense e como Português eu aposto no escuro,certo do êxito.
    O Portugal de Abril exige-vos isso,a defesa da Democracia e da Liberdade.
    Um abraço
    João Valdoleiros

    ResponderEliminar

Obrigada por partilhares a tua opinião connosco!