sexta-feira, 4 de maio de 2012

O 25 de Abril, Ontem e Hoje, por Elísio Estanque


Este texto não foi publicado no dia pré-anunciado - 23 de Abril. Infelizmente, por impossibilidade do autor nessa data, ficou adiado. Agora, finalmente, podemos contar com o artigo de Elísio Estanque, que nos traz o antes e o agora da Revolução dos Cravos.


Importa, antes de mais, recordar que durante a longa “noite fascista” (entre 1926 e 1974) as liberdades não existiam, os jovens e os democratas não podiam associar-se, os jornais eram censurados, os informadores secretos da Polícia Política (PIDE) estavam por todo o lado onde houvesse gente com ideias criticas do governo (inclusive nas empresas e nas universidades), não havia nem educação sexual nem liberdade sexual, nem mesmo um par de namorados podia beijar-se em público por ser considerado “atentado à moral”. Usar cabelos compridos ou ouvir música rock podia ser objeto de condenação moral, dos pais, dos chefes, dos professores, da opinião dominante. 

Não por acaso, os movimentos estudantis e juvenis dos anos sessenta e setenta enveredaram por um estilo de vida irreverente, começando a adotar justamente esses comportamentos que ia contra a corrente. Na década de 1960 em todo o mundo (incluindo o Maio de 68 e as crises estudantis em Portugal em 1962 e em 1969) a juventude ergueu-se e protestou abertamente contra o regime opressivo, conservador, atávico, contra a guerra nas antigas colónias, a corrida aos armamentos e a guerra no Vietname ou mesmo a invasão da Chescoslováquia pelos tanque da ex-URSS. Essa rebeldia da juventude acabou por favorecer a consciência democrática, a crítica e a resistência contra o antigo regime, com a forte ajuda de algumas força que se organizavam clandestinamente como foi o caso do Partido Comunista Português, a força política melhor organizada durante o salazarismo, apesar das perseguições e prisões a que foi sujeita.

Ao som de «Grândola Vila Morena», naquela madrugada gloriosa do 25 de Abril de 1974, os nossos capitães do MFA derrubaram o regime político fascista e puseram fim à guerra colonial. O povo veio em massa para as ruas, primeiro, celebrando a liberdade, com cravos vermelhos na mão, e, logo depois – passada a primeira fase de júbilo e a festa colectiva do 1º de Maio de 1974 –, participando activamente nas lutas sociais e na construção do futuro colectivo. Só depois do golpe de Estado militar do dia 25 de abril de 74, começou a verdadeira Revolução dos Cravos. Houve uma «revolução imaginária» e uma «Revolução concreta». Revolução escrita com ‘R’, que passou por fortíssimas clivagens  político-ideológicas, de antagonismos e de lutas coletivas, que na verdade desmantelou o velho Estado Novo de Salazar e Caetano. Com todas as suas contradições, continuidades e ruturas, a transformação social e política teve traços verdadeiramente revolucionários na nossa sociedade ao longo dos últimos 38 anos. 

As mudanças progressistas são indesmentíveis e a democratização é uma realidade em variados campos. Apesar das múltiplas clivagens ideológicas desse período (e deixando de parte todos os excessos), podemos dizer que se viveu a seguir ao 25 de Abril de 1974 uma utopia emancipatória, em que o sentimento de comunhão produziu subjectivamente uma espécie de comunidade ampliada e solidária, em que, sob a influência marcante da ideologia marxista, a classe trabalhadora e o operariado surgiram como o motor dessa «revolução imaginária». Tal experiência colectiva, apesar de assentar numa imensa ilusão – e justamente porque foi subjectivamente vivida com uma intensidade extrema – teve um alcance que foi muito para além das suas consequência imediatas. Os seu efeitos foram múltiplos e contraditórios, mas, acima de tudo, galvanizou a esperança de todo um povo em torno de valores orientados para o progresso, a justiça social e a solidariedade.

Entretanto, passámos por diversas fases: Uma fase de «ressaca» logo a partir de finais dos anos setenta, de rejeição da ideologia e de deceção em relação ao prometido socialismo; uma fase de desenvolvimento de infraestruturas e do Estado social, a que se seguiu um período individualismo e consumista, ao longo dos anos oitenta (sob um clima tecnocrático e liberal); uma fase de reconversão produtiva e de globalização, com um impacto fantástico das novas tecnologias da comunicação (telemóveis, computadores), nos anos noventa; e finalmente a fase mais recente de redes globais e do ciberespaço, marcado por um clima de crise, de precarização do emprego e finalmente de austeridade.  

Durante a era do consumismo e do individualismo as novas gerações revelaram indivíduos frágeis mas hedonistas, despojados e inseguros mas indiferentes à vida coletiva. Passamos hoje por uma fase de grande pessimismo, frustração e empobrecimento geral das classes médias. O cenário de crise em que estamos mergulhados não está, porém, a dar lugar a maiores índices de participação democrática e associativa. Antes se assiste a uma capacidade de aceitação resignada das dificuldades. Alvo momentos raros de protesto (como o M12M, em março de 2011) o que mais se nova, sobretudo entre os mais jovens é a evasão individual e a alienação deliberada através do excesso. No entanto o aumento das depressões, do isolamento e das patologias do foro pessoal e familiar são uma realidade preocupante. 

Hoje vivemos um processo de destruição de um vasto conjunto de conquistas e de direitos sociais que ameaçam os valores do 25 de Abril. Democratizar, Descolonizar e Desenvolver foram os célebres “DDD” invocados pelo movimento dos capitães de Abril estão atualmente sob ameaça. Os cidadãos afastam-se da política e perdem a confiança nas instituições democráticas e nos partidos e a própria liberdade é cerceada devido aos constrangimentos e medos que se insinuam de novo, em espacial no campo profissional. Portugal está de novo com a sua soberania condicionada, desde a entrada da Troika e do resgate dos nossos credores (a soldo dos interesses da Alemanha e do FMI) restringindo  e “colonizando” as nossas opções e o rumo do país. E, por fim, os objetivos de desenvolvimento foram subalternizados em favor das medidas de austeridade e de um prometido equilíbrio das nossas contas, que ninguém sabe quando verá a luz ao fundo do túnel. 

Elísio Estanque
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

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