quinta-feira, 28 de março de 2013

Que Sistema Político para o Território e a Cidadania? por Lino Tavares Dias


 
Que Sistema Político para o Território e a Cidadania?
Nós, Cidadãos, em Março de 2013, temos sorte!
Reparem. D. Afonso Henriques pode ter conhecido Tongobriga mas nunca teve o privilégio de ler D. Dinis ou conhecer a fachada do palácio do Fidalgo em Vila Boa de Quires, nem D. Dinis teve o privilégio de ler Camões ou atravessar a Ponte ferroviária D. Maria Pia, nem Camões leu Eça de Queirós e não conheceu Paris como cidade da luz ou a Torre dos Clérigos, nem Eça leu Fernando Pessoa, nem Fernando Pessoa teve o privilégio de ler Vergílio Ferreira, Torga ou Saramago e conhecer a Ponte da Arrábida ou a Igreja de Siza Vieira no Marco.
Nós temos, à nossa disposição, toda esta grandiosa herança. Mas, porque temos este privilégio, também temos responsabilidade acrescida.
Tal responsabilidade obriga-nos a refletir sobre a Capacitação e Sustentabilidade do Território.
Que capacidade cultural tem o nosso território?
Qual o limite da sustentabilidade para o território?
O nosso território está sustentado numa riqueza cultural construída e reconstruída ao longo de milénios.
Recordo o que Adriano, imperador do século II d.C., salientava: “construir é colaborar com a terra” e “reconstruir é colaborar com o tempo”.
Perante a riqueza cultural do território surge, por vezes, a tentação de o gerir como se de um museu se tratasse. É uma mera perspetiva.
Em contrapartida, ignorar, total ou parcialmente, a riqueza intrínseca desse mesmo território também origina desequilíbrios colossais.
Desequilíbrios que têm sido autorizados pela Administração Pública, e que só serão minimizados quando se valorizar a identidade dos territórios, quando forem culturalmente reconhecidos pelas populações e tratados com proximidade pelas administrações.

O Estado produz legislação generalista para todo o País. Depois, as administrações do Estado preocupam-se com quem manda no território. Não se preocupam como mandam no território. São meras leituras administrativas, por vezes com suportes técnicos pouco certificados, de que resultam decisões tomadas por gosto pessoal ou por imposição de influências. Como tal, tais decisões podem variar com os humores e com os ritmos políticos.
Será que o cidadão e as instituições conhecem as regras em que se movimentam?
Neste ambiente administrativo como pode ser reconhecida a inovação e a qualidade?
O território é gerido, a partir de legislações nacionais, por municípios e por órgãos desconcentrados da AP que mais não são que emanações nomeadas e exemplos de “centralismo desconcentrado”.
Para além desta mentalidade crónica da AP de atuar por “subdelegação” sobre todo o território das diferentes regiões, há outras dificuldades práticas na gestão.
Na região norte, por exemplo, o território está dividido em 86 espaços administrativos (ou espaços territoriais) que são geridos por 86 municípios, com abordagens técnicas diferentes e por vezes conceitos distintos.
Perante as propostas dos cidadãos em intervir, normalmente através de propostas de construção e edificação, a AP responde com exigência administrativa na apresentação e nos conteúdos dos projetos. Por vezes seguem-se consultas técnicas, constituindo-se um somatório de pareceres, muitas vezes com dispersão de decisões por diversas instituições.
Por experiência própria confirmo que na gestão do território as decisões não só não são suportadas em análises transdisciplinaridades, como também o procedimento administrativo se sobrepõe ao conteúdo do projeto.
É indispensável que o território seja assumido como suporte de Identidade e de Cidadania e, para isso, não pode ser capturado.
Como salientou Gonçalo Ribeiro Teles “há três elementos fundamentais para os países, incluindo Portugal, se manterem como tal: os lugares, as potencialidades e os recursos que nos dão a Terra-mãe e as suas Gentes”. Havendo estas três condições, há lugar à autenticidade, sinónimo de Identidade. Uma coisa autêntica é aquela que tem passado, que tem alicerces e que tem também um presente que se vê, que se sente, mas que também tem futuro, onde a criação é fundamental.
Qualquer desenvolvimento regional, nomeadamente para a região norte, exige planeamento estratégico plurianual para o seu território. Mas é fundamental que tal planeamento não resulte do somatório de diretivas setoriais do “centralismo centralizado” ou do “centralismo desconcentrado”, mas, em contrapartida, resulte da articulação da economia com a ciência, com a investigação e com as identidades regionais que suportam as nossas paisagens culturais milenares.
Seria fundamental a existência de órgãos regionais transdisciplinares responsáveis pela salvaguarda das identidades dos territórios.
Assumindo que as Comissões de Coordenação, ou Comissões de Coordenação e Desenvolvimento, são órgãos com provas dadas ao longo de décadas, poderia ser aqui que se agregavam os serviços desconcentrados da Administração Pública.
Mas, para além desta mera medida administrativa que, em contrapartida, exigiria solidez e maior representatividade das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, permitindo-lhes a plenitude da coordenação, sinto que é fundamental mudar o ato de decidir, reduzindo a interpretação pessoal sobre mero parecer técnico.
É indispensável qualificar as decisões, reduzir as arbitrariedades e dar garantias de equidade aos Cidadãos.
A minha experiência de cerca de três décadas na gestão de áreas da Cultura, leva-me a identificar a grande dificuldade que existe em “qualificar uma decisão” e em “torná-la ato assumido de cidadania”.
Neste sentido, as regiões deveriam constituir órgãos colegiais, consultivos, vinculativos, com constituições transdisciplinares que reunissem membros da Administração Pública setorial, membros das Universidades e dos Politécnicos, representantes dos Municípios e das economias regionais.
Desta forma participada, técnica e cientificamente suportada, poderíamos falar de decisões estratégicas, ao contrário do que atualmente acontece muitas vezes, em que as decisões resultam de mero gosto pessoal, teimosia ou convicção de qualquer diretor geral.
Podem ter a certeza de que o nosso território “reconhecerá e agradecerá” todos os cuidados que lhe prestemos e que permitam garantir-lhe uma maior sustentabilidade e identidade cultural.
Recordo que temos, à nossa disposição, uma grandiosa herança. Mas, porque temos este privilégio, também temos responsabilidade acrescida.
Temos o privilégio de ter território com sustentabilidade cultural, mas tal impõe-nos a obrigação cívica de desafiar as novas gerações.
Será indispensável assumir algumas atitudes. Saliento dez:
1)    Será importante assumir como prioritária a criação e existência de órgãos regionais colegiais, transdisciplinares, estratégicos e técnicos, de consulta obrigatória;
2)    Será importante implementar investigação permanente sobre o território, sobre o património e a paisagem cultural;

3)    Será importante, e indispensável, que a investigação sobre a região seja articulada, através de planos plurianuais de médio e longo prazo, entre as instituições públicas e privadas, as universidades e os politécnicos. Deste modo rentabilizam-se orçamentos e recursos humanos muito qualificados e impõe-se, em concreto, a investigação aplicada e desenvolve- se a partilha cívica com as comunidades;

4)    Será importante inserir a identidade do território nas preocupações quotidianas das crianças, dos jovens e dos adultos, assumindo formação ao longo da vida;

5)    Será importante assumir o património construído como âncora identitária de desenvolvimento regional e não só como mero produto pontual e acabado, usado como peça bonita para mostrar ao turista;

6)    Será importante que os espaços patrimoniais sejam assumidos como oportunidades de investimento, não só para servir o turismo mas também para desenvolver sistemas motivadores de micro economias regionais promotoras da fixação de pessoas e de multiplicação de massas críticas;

7)    Será importante que as tutelas que gerem espaços classificados, se assumam prioritariamente como promotores da manutenção e conservação da paisagem cultural milenar mas, também, como parceiras estratégicas e suportes à criação e ao reuso qualificado dos sítios.

8)    Será importante que as tutelas se preocupem menos com a animação festiva;

9)    Será importante desenvolver estratégias de programação, para retirada de espúrios de forma a corrigir os malefícios que levaram à degradação de espaços urbanos e rurais;

10) Será importante respeitar o território, repensando o investimento megalómano no crescimento da rede urbana e, em contrapartida, assumir a assunção de responsabilidade na requalificação identitária e na reutilização. 

Em síntese, temos que assumir o território como coisa frágil e finita mas também temos que o saber usar de tal modo que até o ócio seja negócio.
 
LINO AUGUSTO TAVARES DIAS

1 comentário :

  1. Uma lição, como se usa dizer, de mão cheia, dada aos marcuenses pelo Prof. Dr.Lino Tavares Dias sobre a atenção que deveria merecer o nosso património e não só.
    Se recordar, que esse património ainda não está completamente classificado pelos atuais responsáveis autárquicos em sete anos de gestão e, depois desta brilhante e pedagógica análise cultural, fácil será concluir, que o P.S. tem como candidato à autarquia municipal aquele que reúne as condições para ser considerado o homem certo para o lugar certo.
    A Cultura é a base de toda a evolução.
    O Marco já sofreu durante demasiado tempo e com graves consequências para os seus habitantes por gestões tantas vezes irresponsáveis e bem distanciadas de quaisquer critérios culturais.

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