quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A Gaitada da Decadência - Os Marcoenses e os outros





Os da margem esquerda e os outros.
As estradas e os esgotos. Um casamento marcoense.
 As noitadas e o Futuro de jovens de outro planeta.


Saudações, caro leitor amigo. Hoje chegamos um pouco mais tarde. Não é o frio que nos atrasa, é mais o tempo e a vida neste quase país onde todos têm oportunidades de emprego e futuro, menos aqueles que o querem ou merecem. Se tivéssemos determinado apelido no nosso nome tudo seria diferente. Se fôssemos filhos de tal sujeito ou primo de aqueloutro tudo seria diferente.
Ora, hoje vamos escrever sobre essa terra que se chama Marco de Canaveses. Uma terra tão deliciosa como uma sucata a céu aberto. Oh maravilhas ecológicas. Oh matrimónios municipais! Oh progressos saloios!
O concelho de Marco de Canaveses, todo ele “entre o Douro e o Tâmega, onde começa o Marão”, segundo as definições poéticas e dos livros turísticos, parece um belo concelho para viver.
Em primeiro lugar, a paisagem é deslumbrante e poética. A simplicidade da montanha, do rio, dos bosques e das florestas encanta qualquer pessoa que por lá passe. Uma paisagem pastoril, simples, silenciosa. Uma paisagem de paz.
            Todas estas palavras parecem ser uma ode ou um cântico à beleza deste concelho. Talvez. Talvez. Talvez?
            Mas é pelas palavras que a humanidade também tem poder de falar e de expressar a sua voz, muitas vezes, consciente, atenta e crítica.
            Questionamo-nos várias vezes sobre o que é ser marcoense e chegamos a duas conclusões simples mas que nos fazem pensar.
            Há os marcoenses e os marcoensezinhos.
            Para explicar estas duas definições temos de constatar a situação actual deste concelho.
            Marco de Canaveses é um concelho onde ainda não há água canalizada nem saneamento! Ainda há casas sem electricidade nem água potável. Há pessoas a passar fome! Os centros de saúde não têm condições; há um círculo restrito de interesses e isso vê-se em aspectos vários, desde a cultura até à economia e empreendorismo.
            “Um Marco na cultura”, é quase um epíteto da Câmara Municipal.
            E que aposta é essa?
            É uma aposta na cultura tradicional e tida como invisível. É o folclore e a gastronomia. Mas esse mesmo folclore parece carecer de apoios da própria Câmara. Já na gastronomia parece ser diferente. Ao criar-se a Confraria do anho assado e do arroz do forno parece haver um incentivo à preservação da gastronomia típica, assim como a doçaria. Doces e anho! O Pão e Circo dos tempos contemporâneos com um toque diabético.
Foi criada a rota dos vinhos verdes do Marco, uma tentativa de conceber um círculo de vinhos verdes marcoenses. Questionamo-nos: onde aparece nesta rota o tão famoso e extinto “Vinho da Livração”? Sim, vinho famoso e conhecido por muitos e muitos lugares deste país?
            Que é feito dos vinhos da margem direita do Tâmega? Basta vermos o mapa da rota dos vinhos para constatarmos que há uma discrepância enorme entre a margem esquerda e direita deste concelho não só dividido pelo rio Tâmega, como mais à frente veremos.
            Distantes vão os tempos em que o Vinho da Livração, feito com uvas de Toutosa, de Santo Isidoro e de outras freguesias, pois Livração é uma região com artesanato, folclore e tradições próprias, caía da infusa verde para as mesas trigueiras e tradicionais, sempre com um naco de broa de milho.
            “Um Marco na Cultura”, e o epíteto continua.
            Em seguida, a cultura dita erudita, parece quase não existir neste concelho por onde passaram Camilo Castelo Branco e Eça de Queiroz!
            Como é que é possível não haver, em parceria com concelhos vizinhos, como Amarante, terra de vultos como Teixeira de Pascoaes, Amadeo de Souza Cardoso e Agustina Bessa-Luís, e Baião, terra onde se encontra Tormes e a Fundação Eça de Queiroz, Fundação que a Câmara Municipal não apoia!, uma rota literária, um percurso desses escritores? Como é possível? O posto de Turismo dir-vos-á que não sabe de nada e que o melhor é falar na Câmara. Chegam à Câmara Municipal e também não vos sabem responder! Blague!
            Há encontros de poetas e concursos de artes plásticas, é certo. Mas onde encontramos nós concertos de Verão, oficinas de poesia, de escrita, workshops sobre escritores, sobre política, economia, sobre Literatura, sobre música, sobre dança, sobre teatro, sobre filosofia, sobre ciências?
            Podemos responder que a juventude hoje não se interessa com isso. Talvez seja certo. Mas se não tiverem acesso a estes conhecimentos será muito pior!
            Já ninguém conhece Saint-Simon, Kant, Proudhon, ninguém ouve politólogos como o professor Marcelo de Rebelo de Sousa, ninguém lê revistas culturais, nem crónicas, nem literatura, ninguém sabe quem foi Victor Hugo ou quem escreveu “Madame Bovary”. Sabemos quem foi Shakespeare porque Romeu e Julieta correm nos lábios de todos nós, mediterrânicos e românticos por natureza.
            A cultura dos jovens deste concelho começa no “Jamaica” e acaba no “Woodrock” ou no “Piolho”! Eis a fórmula da cultura desta juventude! Aliás, uma cultura bastante diletante, nada convencida. Ah maravilhosas delícias de soirées sem fim onde se discutem, ao som de Bach ou Beethoven, com um copo de Lambrusco, o mundo e as ideias! Ah jovens interessados! Um bem-haja. Só mais um penalti. Só mais cinco euros em noite! Gastemos o dinheiro que os nossos pais não têm. O dinheiro ganho com sacrifício e determinação pelos progenitores de tais criaturas! Um bem-haja ao vosso futuro!
            Por que não fazer seminários, colóquios em parceria com as escolas secundárias e básicas sobre a importância da leitura, da educação? Porque não?
            Michelet tinha uma expressão fantástica e que resume todas estas palavras: “Diz-me a mãe que tiveste e eu dir-te-ei o futuro que terás”, ou seja, a educação é muito importante.
            Eis um concelho onde a aposta na cultura é quase nula ou muito baixa, onde a pobreza é galopante, onde há discrepâncias entre freguesias, pois umas são predilectas e outras esquecidas. Onde há dinheiro e interesse há desenvolvimento e corrupção! Já nem falamos de ideologias políticas, pois aí seria outro problema ainda mais grave. Já não sabemos o que significa Social Democracia, Liberalismo, Socialismo Científico ou outra corrente socialista. Já não sabemos e já ninguém discute! Para quê?! Isso não serve para nada!
            Contudo, há marcoenses que dizem que o concelho está bem, está a evoluir. É certo que com o passar dos tempos há coisas que evoluem, como as escolas, os telefones, os telemóveis, etc. Mas mesmo assim há tanta coisa para melhorar.
            As estradas são o perfeito reflexo disso.          
Uma mentalidade limpa, correcta, crítica, honesta, trabalhadora, competente, pontual, culta, interessada, filantropa, é como uma estrada bem alcatroada, com passeios espaçosos, limpos, com bermas seguras e bem construídas.
            Uma mentalidade obscurantista, interesseira, eleitoralista, mesquinha, incompetente, oca, vácua, é como as estradas sem esgotos, sem passeios, com buracos em cada meio metro, com poças de água.
            Enfim, as estradas deste concelho são quase todas assim, tirando as de certas freguesias e regiões para onde há sempre apoio e atenção.
            Assim, os marcoensezinhos continuam presos ao passado ou a figuras que enegreceram a imagem de um concelho onde o verde e o azul embelezam a paisagem, com perdão da expressão estilística de cariz impressionista. Os marcoensezinhos acreditam que com o que está estabelecido vamos a algum lado, acreditam que esta é a melhor forma de apostar na cultura, com concursos em homenagem a uma senhora, Cármen Miranda, que cedo fugiu para o Brasil e que raramente se dizia portuguesa ou marcoense. Ela dizia-se, sim, brasileira!
            Logo, os marcoensezinhos acreditam que sem água e saneamento, sem educação correcta e eficaz nas escolas, sem apostas na cultura, sem apoiar instituições culturais, sem uma biblioteca digna, onde as aquisições de livros por parte da Câmara não sejam livros supérfluos e execráveis, sem sinceridade e clareza das dívidas, sem honestidade e frontalidade dos políticos que há muito deviam ter abandonado esta vida pela imagem que dão do concelho e das suas gentes, este concelho há-de triunfar sob a égide de um progresso do qual nunca vi antecedentes nem ouvi falar! Blague!
            Não será o verdadeiro marcoense aquele que aponta os erros, os critica, apresentando soluções, disponibilizando-se por essas causas?
            O problema reside, muitas vezes, nas instituições, que não aceitam, que rejeitam. E porquê?
            Porque enquanto houver marcoensezinhos o Marco não pode ter marcoenses.
       Enfim, o próprio Eça afirma numa carta pública a Pinheiro Chagas acerca do patriotismo, que se o país é pobre, tem de trabalhar, se o país é inculto, que vá para as escolas, que leia!
            No entanto, não tenhamos medo. A câmara municipal aposta na cultura, no ambiente, na educação, no emprego, no desporto e no concelho. Acalmemo-nos! Acalmemo-nos! Acalmemo-nos! Tudo vai melhorar, basta ficarmos em casa, quietos e calados, navegando pelo facebook, vendo programas de televisão dignos de um Nobel da asnice. Fiquemos em casa dormindo, pois os problemas resolver-se-ão sozinhos. Dormamos, leitor amigo! Alguém há-de resolver todos estes problemas.
            Marco, não sejas o velho porco adormecido onde nada acontece!
            Vamo-nos rir, pois!



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