quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Nicolau Santos e o menino que Gaspar não conhece

Vale a pena ler e divulgar este texto de Nicolau Santos no seu blogue "Keynesiano, Graças a Deus" do Jornal Expresso
 
 
Supermercado do centro comercial das Amoreiras, fim da tarde de terça-feira. Uma jovem mãe, acompanhada do filho com seis anos, está a pagar algumas compras que fez: leite, manteiga, fiambre, detergentes e mais alguns produtos.
Quando chega ao fim, a empregada da caixa revela: são 84 euros. A mãe tem um sobressalto, olha para o dinheiro que traz na mão e diz: vou ter de deixar algumas coisas. Só tenho 70 euros.
Começa a pôr de lado vários produtos e vai perguntando à empregada da caixa se já chega. Não, ainda não. Ainda falta. Mais uma coisa. Outra. Ainda é preciso mais? É. Então este pacote de bolachas também fica.
Aí o menino agarra na manga do casaco da mãe e fala: Mamã, as bolachas não, as bolachas não. São as que eu levo para a escola. A mãe, meio envergonhada até porque a fila por trás dela começava a engrossar, responde: tem de ser, meu filho. E o menino de lágrima no canto do olho a insistir: mamã, as bolachas não. As bolachas não.
O momento embaraçoso é quebrado pela senhora atrás da jovem mãe. Quanto são as bolachas, pergunta à empregada da caixa. Ponha na minha conta. O menino sorriu. Mas foi um sorriso muito envergonhado. A mãe agradeceu ainda mais envergonhada. A pobreza de quem nunca pensou que um dia ia ser pobre enche de vergonha e pudor os que a sofrem.
Tenho a certeza que o ministro Vítor Gaspar não conhece este menino, o que seria obviamente muito improvável. Mas desconfio que o ministro Vítor Gaspar não conhece nenhuns meninos que estejam a passar pela mesma situação. Ou se conhece considera que esse é o preço a pagar pela famoso ajustamento. É isso que é muito preocupante.

1 comentário :

  1. Caro Miguel Carneiro

    Fiquei profundamente sensibilizado ao ler este post da autoria de Nicolau Santod,pois veio avivar na minha memória amargas e dolorosas recordações da minha infância.
    Desde sempre privei com todos os meus colegas de escola,independentemente da sua condição social e económica.Nunca distingui entre putos ricos(uma raridade)e putos pobres(uma larga maioria) para companheiros das minhas brincadeiras e diatribes de toda a espécie.
    Este poste,afinal,é o relato duma situação fatual,que dia a dia se irá repetindo,aqui e ali,cada vez com maior frequência,adquirindo uma similitude com muitas imagens da minha infância,que julgava poder ter esquecido em definitivo.Mas não,as imagens duma mãe a dividir uma simples sardinha por dois nacos de broa e deste modo tentar aplacar a fome dos seus filhos,meus colegas de escola,voltaram vivas,cada vez mais claras à minha memória.
    E eu,velho ingénuo,ainda não descrente da solidariedade dos meus concidadãos - eis a outra senhora - acabei ainda mais revoltado com esta política de austeridade traçada por um verdadeiro "manga de alpaca",burocrata de algibeira,seguidor fanático das teorias académicas,amante dos números,bajulador dos "arianos",nova versão de Miguel de Vasconcelos,que de barriga cheia não tem os pesadelos destas mães de coração tão sofrido.
    Que nunca fraqueje a mão dos Nicolaus da nossa terra.
    Um abraço
    João Valdoleiros

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