quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A Gaitada da Decadência - A bem aventurançazinha da religião



       A Religião e a religião da Igreja e da igreja.
      O Paraíso e um casaco novo no corpo. O perfume da moda e o Espírito Santo.
      Os Santos e as flores que não ficam lá nada bem.
Amigo leitor, aqui estamos novamente perante este grande mundo que é o nosso. Chamar-lhe-ia mundo cão, mas não devemos ofender a espécie canina com as nossas mofas e asneiras. Sim, caro leitor, com as nossas asneiras, as da humanidade.
Com o vento que chega do Sul e de Este, chegou-nos o badalar dos sinos de igrejas várias espalhadas por este concelho de Marco de Canaveses. Com certeza que este exemplo será, em parte, reflexo do resto do país, pois em todos há igrejas e sinos e padres. E se não houver padre chama-se lá a televisão que alguma coisa se há-de arranjar, pois o que interessa é aparecer aos domingos na igreja todo perfumado e bem vestido, não vá o vizinho comentar pela freguesia ou pela cidade que não fomos à missa ou então que fomos com a mesma roupa da semana pretérita. Não se vá agora dizer que isto é mentira, pois se não tem um valor de verdade tem, sim, um grande valor negativo. E além do mais todos sabemos que o concelho de Marco de Canaveses já mostrou várias vezes a sua sábia postura política e maneiras, como se afirma na língua de Hugo, politesse. Um exemplo de cidadania, não tenhamos dúvida!  E o mais engraçado é que as figuras do poder aparentavam ser daquilo que se chama direita e centro-direita ou democracia cristã em política, mesmo até de partidos com índole cristã! Bem-haja, direita, pois Deus é maneta e só acolhe os seus filhos à direita, coitados daqueles que se dizem de esquerda, parece que o inferno é a única solução. Talvez seja esta a explicação dos partidos de direita serem mais conservadores, com perdão da ingénua e quase saramaguiana voz.
Assim, a Religião chegou hoje às nossas páginas, à tinta das nossas finas penas, pois delgadas são as mãos e o personagem que vos escreve isto. Para Ramalhal figura não temos fôlego e só nos comparamos a Eça simplesmente pela esguia estatura, nada mais. Não se vá agora dizer que este gaiteiro se vangloria por ser  Queiroziana figura só pela magreza e não pelo talento. Nunca pelo talento!
Ora, a religião anda pelos mesmos caminhos que o país! A religião e o país andam pelo mesmo caminho que é fora da estrada, que é por desvios e atalhos. Já diz o povo que quem se mete por atalhos acaba por se meter em trabalhos.
Se o país está podre, o que havemos de dizer da igreja? Fazemos desde já a distinção entre igreja e Igreja, assim como Religião e religião, pois nem sempre a Igreja tem Religião, tendo sim, muitas vezes, religião ou religiosidade popular.
Assim, a nossa pena e os nossos monóculos de sol, pois ainda vai havendo sol e não suportaríamos escrever com monóculos normais, deitam-se com este tema, tal como a morte se deita com todos nós.
Eis a fórmula da religião nestas benditas igrejas. Sim, caro leitor! É possível criar fórmulas! Repara como é a receita deste bolo sem açúcar que é a religião e a igreja das aldeias e cidades:

Um pároco com mais de setenta anos, de preferência que seja bom comedor;
Uma população com pouca instrução;
Uma juventude tão interessada na religião como na monarquia e na cultura (menos a juventude isidorense, que serve de metonímia à juventude marcoense);
Uma mão cheia de beatas e línguas delatoras e invejosas;
Uma bíblia ou livro com orações;
Uma aposta invejável na cultura e na arte.


Eis a receita, caro leitor amigo! Agora a fórmula, o procedimento para fazer esta receita é simples, básico:
            Colocar o padre em banho-maria durante muitos anos sobre essa freguesia, bater a população com pouca instrução até ficar em pedras com olhos; Atirar essas pedras à juventude para a arreliar até ficar no ponto; com as línguas delatoras pincelar a igreja e a localidade sempre com a bíblia na mão, de preferência uma bíblia que seja da cor da equipa de futebol do padre, não vá ele zangar-se mais do que o habitual! Por fim, esperar pela aposta na cultura e na arte por parte das juntas de freguesia e das câmaras municipais, que são uns mecenas extraordinários, exemplares!
Assim, caro leitor, tens a receita de um bolo suculento, polémico, em que a vidinha é o objectivo da existência, em que o que os outros fazem, compram, têm, é que interessa verdadeiramente!
            Blague!
            Eis a religião e a igreja.
Uma miríade caleidoscópica, com perdão do atrevimento vocabular, de dogmas personalizados, de orações feitas e repetidas ocamente e sem sentido durante gerações sem fim. E estes dogmas de que falamos são a ignorância, a intolerância para com o progresso, o não saber cativar e chamar a juventude. Adaptando as palavras de Kennedy, pois julgamos ser necessário este pensamento: “Não perguntes o que é que a Igreja pode fazer pelos crentes. Pergunta antes o que é que os crentes podem fazer pela Igreja.”
            Mas não penses, caro leitor, que a juventude é a vítima. Não é não! Em determinadas igrejas há incentivos por parte de outros jovens que querem mudar, inovar a igreja. Esses jovens fazem e pensam, apelam, anunciam eventos, palestras, retiros, debates sobre a religião e a sua importância, mas essa juventude nem lá põe os pés, nem quer saber! E perguntas tu porquê, amigo leitor.
            Respondemos-te de uma maneira simples, directa e verdadeira, pois a verdade e a justiça são as nossas luzes.
            Essa juventude é podre, fala mal pelas costas e é invejosa! Sim! INVEJOSA! E não quer saber das coisas que são feitas por outros, querem sim é que se veja o que eles fazem, porque isso é que é bom, quando às vezes – e com o às vezes queremos dizer quase sempre – é um verdadeiro e grande escrupuloso detrito. Vê o às vezes como um eufemismo, amigo leitor.
            Por isso, atenta, leitor amigo, pois a culpa é dos dois lados!
           Como dissera o padre António Vieira: “Ou é o sal que não salga ou é a terra que não se deixa salgar”. Ainda mal, caro leitor, ainda mal!
        Todos sabemos que a igreja é constituída pelos crentes, cristãos, das várias orientações, neste caso em particular, católicos, que segundo a etimologia quer dizer universal.
            Ora, o que é que os crentes podem fazer pela igreja?
            O que têm vindo a fazer: nada! Julgamos ser esse o redentor caminho com entrada livre e com cartão de descontos no inferno, seguindo uma lógica cristã.
Como os nossos monóculos de sol são atentos e sensíveis como as delicadas patas das aranhas mais raras que tecem as teias muito delicadamente, falamos com alguns jovens cristãos, entre eles alguns seminaristas e antigos seminaristas que nos deram as seguintes respostas.
            Dizemos-te isto, caro leitor amigo, para veres que o que aqui é exposto e escrito não é fruto da nossa Queiroziana e pouco Ramalhal figura, que não é fruto das mais finas e sábias imaginações, como foram as dos nossos mestres pioneiros. Para veres e atestares, caro leitor amigo, que o que nos interessa é a verdade e a justiça.
            Assim, esses personagens que amavelmente falaram connosco disseram-nos que há duas coisas fundamentais a incrementar/mudar na Igreja.

Reformular o colégio de cardeais do Vaticano, de modo que os bispos e cardeais mais jovens, assim como os missionários possam estar presentes nas suas reuniões e concílios;
Abrir as portas da Igreja ao mundo, isto é, tornar a igreja verdadeiramente universal, despir-se do seu fausto, apanágio de séculos passados, e diminuir o clero secular significativamente.

Ora, segundo estes nossos católicos amigos, a igreja necessita de arregaçar as mangas e dar de comer aos que têm fome. Não só a fome espiritual, como a Igreja tanto preconiza, mas também a fome de pão que vem da terra e não do céu, como o maná no deserto veio para Moisés e o seu povo.
   De facto! Caro leitor, não precisará a Igreja Católica de um rejuvenescimento? Não precisará ela de cativar a juventude se quiser ser uma Igreja jovem, apelativa, dinâmica, acolhedora?
    Talvez esta Igreja prefira viver com esta religião de letras minúsculas, de mentalidades minúsculas, de verdadeiros actos de fé e caridade de fim-de-semana!
   O que se vê nesta gloriosa sociedade, fina, chic, culta, activa, nada interesseira, trabalhadora, nova riquinha, católica, ateia, é um reflexo daquilo a que nós chamamos a religião, religião com letra minúscula, religião que parece tornar as pessoas ainda mais minúsculas, religião de minúsculos e para minúsculos de mente e espírito.
     Ora, é fascinante notar esta religião e os seus seguidores. É um voltar a séculos passados.
    Toda esta religião e religiosidade reside em ir à missa ao domingo (ou sábado) para inglês ver, vestir bem e tentar ficar nos bancos da frente, onde se vê tudo. E se passar por um pobre na rua que pede uma refeição faz que não o ouve!
            Hossana nas alturas! Hossana nas alturas! Hossana nas Alturas! Como é maravilhoso estar numa igreja uns dez a quinze minutos antes da eucaristia começar e escutar as múltiplas vozes a cochichar, os saltos altos, novos, que a vizinha de cima comprou e fez questão em mostrar; o casaco novo do professor x, as estridentes e afinadas vozes do coro que faz questão de cantar porque é maravilhoso; o barulho das crianças que quase são empurradas para os bancos da frente; os olhares de todos que se viram para alguém que tenha entrado pela porta lateral.
       São tantas vozes, tantos cochichos, tantos cânticos ensaiados e afinados, tantas gritinhos abafados que quase nos esquecíamos dos santos que olham fixos e espantados para todos estes acontecimentos tão importantes para a vidinha para a salvação das almas! Porque é olhando para quem acabou de entrar na igreja, é falando pelas costas daqueles que estão no outro banco, é criticando fulano, sicrano ou beltrano pela sua vida que iremos ter entrada directa no Paraíso dos Justos, dos Dignos, dos Escolhidos! Blague!
      Acreditamos que chega uma altura em que os próprios santos se devem questionar do que é que estão ali a fazer. São eles que se sentem mal por estar naquela igreja, aliás, são eles que estão a mais porque as flores que estão a enfeitar não combinam com os seus trajes. Um destes dias, parece-nos, leitor amigo, que o sindicato dos santos revoltar-se-á e irá fechar a porta das igrejas aos crentes minúsculos. Bem aventurados os ricos em dar à língua, porque deles é o lugar primeiro nos cafés!
           Julgamos nós que no livro dos livros, a Bíblia, mais propriamente no Novo Testamento, para quem preferir, a Nova e Eterna Aliança, diz que Jesus deu vista aos cegos, fez andar os paralíticos, deu de comer a mais de três mil pessoas, deu de beber a quem sede tinha, entre outras obras grandiosas e milagrosas, apanágio de um filantropo, apanágio, utilizando agora conceitos religiosos, de um Deus, de histórias de um bom Deus, com perdão da Rilkiana voz
            Por isso, existe A Religião e uma religião.
            Na religião ficam estes costumes supramencionados, muito úteis para o senso comum. Com certeza que quem os pratica dirá que isto é mentira. Eu percebo, caros amigos. Mas, em tempo de crise é necessário fazer publicidade por causa da concorrência!
            Rigolade!
        Leitor amigo, se houvesse Religião em todos os poros da existência humana, talvez fosse tudo um pouco diferente.
            Eis que chega a altura de recorrermos a um ilustre amigo nosso, o Sr. Carlos Fradique Mendes.
Este senhor percorreu todas as religiões até as esgotar, nunca as desrespeitando, aliás, entendeu-as com profundidade e intensidade. Mesmo sendo o autor de “Esmaltes e Jóias” obra poética que desde já recomendamos, assim como os poemas nórdicos e românticos que recomendamos também, estes do poeta Ulurus, fantástico homem, de porte atlético, diletante e dândi, chegou à conclusão que é necessário respeitar todas as religiões, pois todas as religiões, diz ele, são verdadeiras, no entanto, nenhuma delas detém a verdade absoluta nem o fundamento, pois seria necessário estarem à frente da verdade e do fundamento, coisa que não estão.
            Como podes ver, leitor livre e amigo, este Fradique é um homem sábio, um verdadeiro diletante.
      Enfim, continuamos a ouvir o órgão desafinado tocando afinadamente. As beatas continuam na sua reza. O padre a todos abençoa. O perfume novo da vizinha paira no ar criando uma atmosfera lasciva e convidativa. As crianças e os velhos quase que adormecem, enquanto Cristo, esse, coitado, lá faz o que pode, pendurado na cruz, nesse mesmo madeiro onde ergueu, como disse um escritor nosso ainda vivo, “a ingénua hipótese do amor”.
            Vamo-nos rir, pois!
             

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