quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A Gaitada da Decadência - Uma boa Família Portuguesa


     Como Portugal se tornou numa família exemplar em estética parlamentar e governativa. Um pai alcoólico; Uma mãe cocotte ; Uma cambada de filhos delinquentes.
            O tecido social e um Kinder chocolate.
            O início de uma lista com receitas de bons cozinhados que acabam sempre em caldeirada ou então dão em coligação com sal mais.
 

            Aqui estamos nós, outra vez, leitor amigo e discreto, leitor que não comenta estas nossas palavras tão chics, tão refinadas e temperadas como um daqueles pratos com um nome complicadérrimoem francês.
            Desculpa este nosso devaneio pseudo estético-gastronómico, mas estas nossas brincriações, como diria Mia Couto, abrem-nos o apetite.
            Entra, leitor amigo. Pelo cão! Entra, senta-te e fecha a porta, por favor, que começa a fazer um frio digno de Novembro. Senta-te, amigo leitor, e respira connosco estas palavras, esta gaitada, mesmo que nada percebamos de música, pelo menos sabemos desafinar aquilo que se passa à nossa volta.
            Desta vez, vamos fazer uma viagem até aos campos da psicologia, da antropologia e da sociologia. Vamos sobrevoar uma família portuguesa que tem uma capacidade artística fantástica: a do desdobramento e da heteronímia. Não, não vamos falar de Carlos Fradique Mendes, o primeiro heterónimo português, criado por Eça de Queiroz, Jaime Batalha Reis e Antero de Quental, ou então do mestre da heteronímia, Fernando Pessoa que, com medo que lhe tirassem o epíteto de drama em gente jamais mencionou Eça e Fradique Mendes. Descansa, leitor amigo, não vamos falar de Literatura nem de escritores, pois isso não serve para nada! Aliás, “Letras é decorar”, como já vezes várias ouvimos por este bendito país! Criar mundos com as palavras e mostrar uma visão diferente da história e do mundo através dessa manifestação artística é de malucos, de doidos, de gente que quer desvirtuar a exactidão científica da história e das ciências que são o futuro. Aliás, quem estuda essas coisas ou é muito burro ou não sabia muito bem o que fazer do futuro e lá comprou um pacote de iogurtes e lá lhe saiu um curso em Letras e nas Humanidades. Gente dessa área só sabe vir com filosofias, só sabe fazer perguntas e pôr a pessoas a pensar. Que maçada! Isso não serve para nada!, caro leitor, serve para gastar folhas e canetas e páginas de Word e papel! Blague!
            Mas voltando ao que nos trouxe a estas paragens, vamos falar sim do desdobramento de uma família portuguesa, ou até mesmo de duas famílias. A ver vamos.
            Ora, esta família é muito complicada! O pai parece ser trabalhador e aplicado naquilo que faz. É um ás em economia, mas é também um joker na bagaceira. A mãe, muito católico e imbuída de valores cristãos, ama os amantes de igual forma, ama o marido como ama o jardineiro da esquerda ou o economista da direita. Deita-se em todas as camas que lhe fizerem desde que tenha lugar à mesa ou carro e regalias nas mãos. Os filhos, coitados, lá andam, asnos na escola financeira e silenciados pelos pais e pelos senhores que dão o dinheiro aos pais. Eles tentam ser do contra, pois já estão na idade das borbulhas e da mudança de voz. Mas a zanga é sempre a mesma, e os pais acabam por levar sempre a deles a melhor. O filho mais velho ainda vai pactuando com os pais de quando em vez, enquanto noutras alturas revolta-se e galifica-se o danado!
            Os mais novos, coitados, são sempre do contra, bem reclamam, e reclamam porque sabem que jamais terão razão ou poder para fazer alguma coisa. Mas até há vantagens nisso, pois ser do contra é sempre bom. E cómodo.
            Mas o que nos interessa nesta família, leitor amigo, é o caso do pai e da mãe, pois os vizinhos do lado, o senhor Hernando e a dona Pilar pensam que estes se dão lindamente, assim como os vizinhos que estão mais à frente, na casa ajardinada, o senhor Pierre e a dona Mathilde, pensam o mesmo. Já os vizinhos alemães, esses não! Esses sabem a história toda, aliás, eles trabalham no banco onde o nosso casal vai pedir mais um empréstimo! Vieram dizer-nos que são o senhor Friedrich e a dona Helga. Engraçado! Pensei que os nomes fossem outros, mas não desvirtuemos as informações que a vizinha alcoviteira ouviu enquanto passeava o “canicho”, como ela diz.
            De facto, este casal anda muito mal, mas só dentro de casa! Andam sempre às turras porque o marido compra mais vinho e não avisa a mãe. A mãe fica chateada com isso e ameaça avançar com o processo de divórcio, enquanto faz essas ameaças o pai embebeda-se, a mãe vai queixar-se às amigas íntimas (e às vezes até aos amantes), mas no fim tudo volta ao normal. Lá vêm eles de mão dada pelo rua abaixo, passam em São Bento todos engravatados e ensaiados (ensaiados no discurso e ensaiados no tecido!), todos sorrisinhos, todos carícias. Como é maravilhoso vê-los!
            Todavia, os filhos sabem que os pais não estão bem. Aliás, toda a gente sabe que eles andam muito chateados, mas todos fingem acreditar que está tudo bem! Ninguém chama a polícia quando ouvem os gritos e os copos e a loiça a partir! Às vezes os alemães vão lá a casa e quase que restauram a ordem. A senhora dona Helga não percorre os setecentos metros que a separam da casa deste nosso casal. Vem de Volkswagen carocha e sempre com uma cerveja preta na mão. Oh delícias gastronómicas! Oh maravilhas nórdicas! Oh eleitos chocolateiros! Então é vê-la a dar um puxão de orelhas ao bêbedo e à cocotte, toda corada e inchada, mais parecendo um kinder surpresa, e começa logo a ameaçar o senhor Lebre e a dona Janela que se continuam com aqueles disparates acabam-se os empréstimos a três, a cinco e a dez anos! Ela até lhes fala duns senhores com um nome meio russo que parecem vir do tempo da perestroika e que são exímios no comércio de retalho, pois gostam de cortar qualquer tecido, seja ele bom ou mau, manchado ou por manchar. (A nossa vizinha, a dona Insegura disse-nos que eles preferem o tecido social, pois é mais elástico e não custa nada cortar).
            Pois bem, leitor amigo, este casal é complicado! Mas lá se entendem. Lá se arranjam. Entre as bebedeiras e as tascadas do pai e as orgias e viagens da mãe ainda vão sobrando umas migalhas para os filhos do casal, para os filhos bastardos e para o país. Não te angusties amigo que lês estas palavras. Esse país não é o nosso. Não é a nossa mátria lusa, não é este nosso pequeno e bem gerido país que tem como berço o Atlântico e as ruas e as pontes. Este belo país que tem oportunidades para todos em caixas de supermercado, em call-centers, em restaurantes de fast-food! Oh empresa celestial! Oh saudosas vitórias de tempos que não são os nossos! Oh magnífico templo dos tachos e do barulho e das coligações com sal a mais!
            É tudo uma questão de gastronomia e de estética económico-parlamentar, caro leitor. E quando uma família ou uma coligação têm pólvora ou pimenta ou sal a mais há problemas sempre a surgir. Ainda bem que nada disto nos afecta, pois este é o melhor país dentro do melhor mundo possível! Ainda bem que nada disso acontece em Portugal, ainda bem que temos uma Segurança Social Implacável, tal como os senhores dos negócios de retalho. Ainda bem que a nossa coligação funciona a uma só velocidade e não há rixas internas. Elevemos as nossas mãos e as nossas carteiras às alturas e agradeçamos tudo o que é feito no nosso país, pois, pelo cão!, melhor seria impossível.
Ainda bem que o nosso país não é como aquela família desgraçada, em que todos reclamam e ninguém tem razão, em que os outros vêm mandar em nossa casa. Ainda bem que o nosso governo não tem sal a mais, senão isto estaria num caos e as manifestações multiplicar-se-iam como os coelhos ou os animais em época de cio. Ainda bem que este país de que falamos não é o nosso. Este país é aquele que essa família criou e tem vindo a construir, destruindo. Este país é o resultado de uma caldeirada salgada, picante, podre. Este país é o reflexo da mentalidade que o gere.        
            Descansemos, leitor fiel, pois em Portugal isto jamais pode acontecer, pois temos uma característica que, só por si, só o facto de dizê-la, faria criar cem mil postos de trabalho para licenciados, se tal fosse necessário: é que nós somos o melhor povo do mundo!
            Vamo-nos rir, pois!

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