sexta-feira, 15 de junho de 2012

Um Sistema em Auto-implosão por Pedro Bragança



O Sistema de Ensino Superior Português (divido em quatro subsistemas) enfrenta hoje uma confusão sistémica e ilegibilidade formal a vários níveis que está na origem da torrencial e inaceitável fuga de jovens graduados para o estrangeiro.
Comecemos pelo início. A liberalização do Ensino ocorre nos últimos vinte anos anunciando uma abertura das instituições à sociedade e, sobretudo, ao direito privado. A suposta democratização do acesso à graduação resultou, no entanto numa absoluta anarquia por nunca ter sido acompanhada por uma fiscalização competente do Estado, à medida que este se ia, paulatinamente, demitindo de ter o comando da oferta formativa superior, em Portugal.
Com o passar dos anos e, sobretudo, com o chegar dos 90, o Ensino Superior Particular e Cooperativo obtém a maioria da oferta formativa (em número de vagas) num conjunto significativo de áreas do saber e o Estado perde o controlo que nunca esteve interessado em ter. Com a chegada do novo milénio alguns cursos de ensino superior tinham já o dobro das vagas no subsistema particular e cooperativo em relação ao universitário público e isso levanta o véu sobre o que se vem a passar mais tarde.
Era previsível. O tecido empresarial português e a comunidade científica (de investigação) jamais conseguiriam absorver tal revolução no número de jovens ‘’à saída’’ das instituições que, em alguns casos, em 20 anos aumentou mais de 800%. O colapso do sistema – que já começa a ser hoje vislumbrado – vai intensificar-se enquanto não houver uma Politica de Ensino Superior que inverta todos os erros cometidos nos últimos anos que resultam e resultarão na já referida fuga sistemática e torrencial de graduados que, em muitos casos, obtiveram um investimento médio de dezenas de milhares de euros do Estado Português durante a sua formação. Trata-se, por isso, de financiar a qualificação do mercado de trabalho suíço, alemão, ou chinês.
O Ensino Superior público português tem qualidade e é caro. A imediata solução para o problema anunciado consta no encerramento de Instituições que não servem o país. A formação superior, científica ou técnica, é de interesse nacional e, por isso, uma missão do Estado Português; todas as áreas do saber leccionadas nas Universidade e Politécnicos públicos não devem ser replicadas como são, com qualidade muitas vezes discutível, em instituições de direito privado desreguladas sobre vários pontos de vista (como nos números clausus).
Há que fechar as portas das empresas do subsistema de ensino particular e cooperativo cuja missão se extingue na obtenção de lucros, com a irresponsabilidade e implosão do país.
Ao mesmo tempo que o sistema de Ensino Superior Português ia crescendo e se ia densificando (disseminando pelo território) ia-se perdendo uma leitura de Rede. Hoje, todos os distritos em Portugal desfrutam de, pelo menos, uma instituição de Ensino Superior; há eixos de 50 km em 50 km com quatro cursos de doutoramentos na mesma área do saber (de instituições parceiras); há três instituições do mesmo subsistema a leccionarem o mesmo curso na mesma cidade (o caso do curso de Arquitectura, em Lisboa, leccionado no Instituto Superior Técnico (UTL), na Universidade Técnica de Lisboa e no ISCTE)... Para além de não ter havido qualquer regulação sobre a abertura de instituições privadas, nem tão pouco sobre a sua actividade, deixou de haver uma ideia estratégica para a rede de ensino superior que nunca deveria ter deixado de ser centralizadora e pluriregional.
Hoje, as instituições e a respectiva oferta formativa, já não podiam ser entendidas como forma de valorização dos terrenos que estão à volta das suas sedes, nem como respostas a exigências de presidentes de Câmaras Municipais. O Ensino Superior tem de ser um desígnio nacional e deve constituir uma obsessão (sob todos os pontos de vista, inclusive o do investimento público) porque é, mais do que nada, a aparente única forma de salvação da hecatombe social e civilizacional que vivemos. Convém-nos, por isso, ter menos Instituições e melhores; centralizar o investimento naquilo que realmente nos interessa porque Portugal é um país pequeno e com uma rede de mobilidade e acessibilidade viária invejável.
Torna-se, agora, insustentável, manter muitas das Universidade e Politécnicos que temos. Devemos condensar o investimento nas melhores instituições às quais, por outro lado, se deve exigir que assumam uma centralidade pluriregional e uma superação do ponto de vista da qualidade de ensino e investigação.
O falhanço do sistema binário – a divisão de um sistema de ensino superior na sua vertente universitária (da ciência, investigação e projecto) e politécnica (da profissão, técnica e execução) – em Portugal é uma evidência dos dias de hoje.
É fundamental clarificar as competências, do ponto de vista curricular e nas suas missões, das Universidades e dos Politécnicos para que não continuemos a ter Universidades em buscar da profissionalização da sua formação e Politécnicos a exercerem uma extraordinárias pressão para serem incluídos no panorama científico nacional. Essa clarificação tanto pode resultar na fusão dos subsistemas, como num afastamento claro entre os dois. Nem um, nem outro, são caso raro na Europa.
De resto, a defesa do terceiros ciclos no Ensino Superior Politécnico constitui-se como uma aberração e o caminho no sentido da implosão do sistema de ensino superior português.
Podemos especular muitos culpados sobre o actual momento de desorientação evidente. Em primeiro lugar os sucessivos Governos, os Partidos Políticos e as Juventudes Partidárias que raras vezes obtiveram uma posição crítica bastante para conjecturarem a situação actual. Frequentemente, respondendo a anseios de pequenos interesses, hipotecou-se o futuro do país a longo prazo – como se o futuro do pais fosse hipotecável... Em segundo lugar um Movimento Associativo expectante, quieto e sempre disposto a negociar. Negociou-se frequentemente uma calamidade ente dirigentes nas Associações e Federações e ex-dirigentes das mesmas Associações e Federações, agora membros do Governos.
Há, pelo que me parece, um corpo autónomo e repugnante que viveu durante muitos anos num micro clima próprio e que se construiu sobre auto-defesas ilegítimas. Esse corpo de pessoas é responsável por este sistema desorganizado mas é o mesmo sistema que os jovens, descomprometidos de interesses e favores, independentemente do lugar mais apropriado que encontrem para isso, terão de se empenhar em combater se quiserem aspirar a um futuro mais respirável.
Pedro Bragança
(Independente)

4 comentários :

  1. Um excelente texto, muito assertivo face ao problema da certa ingerência do ensino superior actual. A medida de o governo não deixar aumentar o número de vagas em certos cursos sem grande saída profissional é um evidente sintoma da necessidade de se reformular o ensino público com alguma urgência.

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  2. Devo concordar, relamente o texto está muito interessante. Mesmo a perspetiva da dualidade Politécnico vs Universidade, parecendo fundir-se ambas as instituições em algumas ocasiões... Há muito que repensar no sistema público. A existência de um sistema privado deve também ser tida em linha de conta, procurando uma visão global e estratégica para este serviço tão importante para a evolução do país. O número de vagas, a meu ver, deve ainde ser reduzido, uma vez que existem cursos em que o investimento público não tem, posteriormente, retorno para o país... A considerar pois neste setor do estado são investidos milhares de milhões de anos anualmente!

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  3. Só um aparte - não existem independentes. Existem pessoas mais e menos dependentes.
    Por exemplo, quem faz parte de um partido político é mais independente do que quem não faz.
    Não perdemos a independência ao entrar num partido político, mas sim ao permitir que todos eles, decidam tudo por nós (inclusive quem são os seus candidatos aos altos cargos políticos e públicos do nosso país)!

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  4. O artigo é deveras esclarecedor quanto à urgência de haver um repensar do ensino superior. A articulação do número de cursos com o mercado de trabalho é de facto necessário. Mas mais do que isso devemos ser capazes de articular as instituições de acordo com o seu território. Porventura o encerramento de certas instituições de ensino superior é polémico, mas se for necessário fazer, farse-á tendo sempre em atenção a qualidade do ensino. Na área de arquitectura, por exemplo, é inaceitável haverem 22 cursos pelo país. Isto é um modelo irreal de ensino superior, pois o país não aguenta com tantos especializados em arquitectura. Não podemos também fazer um discurso de anti-instituições privadas, mas sim termos consciência sobre o cenário actual a que o ensino superior chegou. Se ele alimentou loobies, interesses alheios, bairrismos, puro irracionalismo? sim, teremos de admitir que alimentou.
    O Pedro age como independente, diga-se que é uma posição tomada por si e pensada. Ser-se independente também é uma opção.

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