segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A Gaitada. A Decadência. VERITAS FILIA TEMPORIS


A Gaitada. A Decadência.
ACTO III – VERITAS FILIA TEMPORIS

            Ora viva, caro leitor amigo! Ora viva! Já era tempo de darmos, novamente, sinais de vida e de umas quantas gaitadas! Eis, finalmente, o ansiado e almejado terceiro e último acto desta opereta trágico-sentimental! Eis o desenlace, o Pathos há muito aguardado! Esperamos que aprendas alguma coisa com ele, pois, afinal, é esse, também o objectivo do Pathos, aprender com os grandes sentimentos que abalam os fundamentos do ser humano, que o fazem pensar e reflectir sobre tudo o que fazemos.
            Vamos mergulhar no texto, leitor fiel e amigo. As luzes diminuem de intensidade, o pano vermelho abre-se. Dos camarotes escuta-se um ou outro tossir de alguém mais velho ou doente. Talvez o imperador Francisco José da Aústria-Hungria.

A GAITADA. A DECADÊNCIA.
ACTO III 
VERITAS FILIA TEMPORIS

CENA I

(Portas, caindo da ponte vermelha enquanto a lua dormitava pensativamente. O coro escutando a Marche Funebre de Chopin, enquanto do fundo das águas do Tejo surge um submarino alemão, imponente, elegante, caro como os olhos dos deuses!)

PORTAS – Será isto a morte, este constante cair no precipício? Será isto a morte? Este silêncio que corta as veias? (ao cair na água uma escotilha do submarino abre-se e saem de lá uns quantos mergulhadores do exército português)
Será isto a morte? Ser acolhido como um herói entre soldados que viveram debaixo das sombras de Delfos, enquanto o Peloponeso era uma ameaça? Oh que glória esta, mesmo depois da morte, que maravilhas e fortuna a minha!

(Após ser acolhido no interior do submarino, eis que surgem duas personagens, trajadas à senador romano, ilustre e orador)

SILVA_CAVACO – Que pensas tu fazer, Portas romântico e naïf? Recolhe-te nos milhões que deitaste ao mar! Dorme e cala-te, pois amanhã iremos falar! Como podes ver, este aqui ao meu lado, o senhor doutor Rabbit, terá uma conversa bastante séria contigo! Mas que porra é esta? A atirar-se abaixo da ponte em plena crise económica e social?! Mas tu és maluco ou de direita? É que não entendo estas tuas atitudes! Mas amanhã iremos falar! Amanhã! Hoje não! Preciso do meu pastel de Vouzela e dos livros de Saramago para poder adormecer, visto que nada têm de interessante!  (o coro grego, desta vez composto por alunos de economia e finanças e ciências reitera cantado gregorianamente: AMÉN. PALAVRA DE HONORIS CAUSA EM LITERATURA PORTUGUESA!

CENA II

(No dia seguinte, já recolhido dos submarinos comprados há volta de dez anos atrás, reúnem-se num palácio, em Sintra, à sombra de um carvalho, tomando chá e trincando biscoitos, Portas e Rabbit voltam a encontrar-se)

RABBITAs tuas atitudes de Drama Queen não funcionam mais! Basta desses teus ataques, dessas tuas manias, desses teus devaneios hipócrito-românticos! Basta!

(o vento assopra de nordeste e algumas folhas fogem daquele sítio maravilhoso e condenado! As luzes adquirem um tom amarelecido, o Outono parecia querer chegar, mas tudo era fantasia, o Verão estava ainda no seu vigor. O coro murmura sonetos de Camões, enquanto Portas responde a Rabbit)

PORTAS – Foste a coisa mais importante da minha vida, enquanto tive todas as regalias possíveis e imagináveis! Tenho pena que nunca tenhas confiado em mim. Esse foi o nosso problema, Rabbit que um dia foste meu. Nunca me deixaste ser a tua Julieta. Nunca te deixaste ser o meu Romeu!

(Neste momento, o maestro do coro vira-se para Portas e diz-lhe para jamais voltar a fazer esse tipo de rimas numa opereta tão trágica e grandíloqua)

Gostava que tudo tivesse sido de outra forma, meu querido, mas há momentos na vida em que tomamos atitudes irrevogáveis, sem volta a dar! Demiti-me, para sempre! Tenho pena de te deixar, é certo que vou sofrer, mas o tempo é o melhor lenitivo. O tempo tem uma resposta para tudo.

RABBIT – Tens a certeza que não queres ficar? (Prostra-se perante Portas, com olhos lacrimejantes) Olha o futuro que podemos ter pela frente? Temos ainda 3 anos em São Bento, temos todos os portões de todos os jardins europeus abertos, meu lindo! Temos todos os salões de chá, todos os cantinhos para segredarmos e despedirmos uns milhares de funcionários que estão a mais! Fica, meu Portas. Fica! Peço-te por tudo, peço-te por nós, pelo valor do nosso amor que não tem valor, que é inestimável, assim como  a estima que os portugueses têm por nós!

PORTAS – (com a lágrima no canto do olho. O coro enternece-se, puxa de um lenço laranja e azul, assoa-se e atira o ranho para o desgraçado público que vê nisso um agouro bastante nefasto: desemprego)
Como posso eu rejeitar tais palavras, meu Amor? Como posso eu? Esquece o irrevogável, esquece as minhas birras! Prometo ser uma cocotte  mais requintada e comedida. Mas isso trar-te-á custos adicionais, meu amor laranja! Quero ser vice-primeiro-ministro. Quero mandar! Quero uma tiara e um laço azul no cabelo! Quero um vestido de seda e uma chaise-longue divinal! E quero que todos me beijem a mão e que aquela senhora que veio para as Finanças me preste contas como os portugueses, fofos, prestam todos os dias às finanças, à Troika e ao governo! Mas sim, sim, volto para o governo, meu amor! (Abraçam-se, o coro volta a limpar o ranho enquanto entoa o Magnificat)

RABBIT – Eu sabia que irias voltar, meu anjo, meu Portas querido! Eu sabia! Como podias recusar os braços, a falsidade e a hipocrisia deste teu Rabbit que te quer bem? És meu, estás na minha mão, assim como nós estamos, felizes e disciplinados, nas mãos de outros. Amo-te!

PORTAS – Eu também te amo. (voltam a beijar-se)

RABBIT – Agora vamos, rápido! vamos a Belém! Vamos, sem mais demoras, pois o Silva_Cavaco quer falar connosco!

PORTAS – Vamos sim, meu amor!

CENA III

(Esta cena, filosófica, começa com uma pequena reunião em Belém, ao som de Ravel e de pastéis de Vouzela)

SILVA_CAVACO – Já resolveram os vossos problemas? Espero bem que sim, pois não posso continuar a falar em eleições para o próximo ano, dá-me gases e a Mariazinha não aguenta nem isso nem a sua mísera reforma de 800 euros, coitadita! Por isso, quero-vos frescos e lavados nos Jerónimos, pois vai ser uma cerimónia grandiosa, estonteante, maravilhosa! Agora, toca a mexer que há muitos discursos a fazer, muitas palavras a verborrear!

PORTAS – (algo envergonhado e constrangido) Sua “incelência” esqueceu-se de um pequeno pormenor: a questão do “IRREVOGÁVEL”. O que vamos fazer em relação a tal discurso que fiz há uns dias atrás? As pessoas não vão gostar, a imprensa bombardear-me-á e eu não sei se aguento com tamanha pressão. (suspirando profundamente)

SILVA_CAVACO – isso é fácil de resolver, Portas amigo! Deixa isso comigo, pois podemos sempre falar na semântica das palavras (que ele não conhece), da sua complexidade, do IRREVOGÁVEL ser aplicado somente ao cargo em que te encontravas, blá blá blá trrr trrr trrrr ( o coro começa a berrar, pois não aguenta tais barbaridades do nosso HONORIS CAUSA EM LITERATURA PORTUGUESA E PRESIDENTE DA REPÚBLICA) Fica descansado, pois, do alto da minha vetusta sapiência brotará um novo sentido para a palavra IRREVOGÁVEL! O mesmo será feito com (é o coro quem diz, cantando em uníssono, os seguintes conceitos alvo de alteração semântica): TRANSPARÊNCIA, EQUIDADE, JUSTIÇA, EMPREGO, ENTENDIMENTO, PROGRESSO, DEMOCRACIA, CULTURA, CIVILIZAÇÃO, IDENTIDADE, PATRIMÓNIO, HISTÓRIA, POLÍTICA.

RABBIT – (de mão dada com Portas) Podemos, então, ficar descansados e adormecer tranquilos. Agora, sim, interessa prepararmo-nos para esse glorioso dia 7 e Julho, em que o país verá como estamos unidos, apaixonados e com vontade de continuar o trabalho (?) que temos vindo a fazer!

(Entretanto, enquanto o pano fecha para se alterar o cenário para o derradeiro momento, a nossa pièce de resistance!, deixamos algumas observações, caro leitor amigo. Senta-te ao nosso lado, agora, pois ainda estamos no intervalo e Beethoven foi até lá fora fumar com Napoleão, mesmo que ambos não fumassem! O que vimos até agora é simplesmente fruto da nossa imaginação, nada do que foi relatado por este autor desta opereta irrisória aconteceu verdadeiramente! É mais vero Beethoven estar sentado à minha direita e Napoleão e Goethe do seu lado do que estes senhores brincarem aos políticos e aos ministros e aos governos e aos países! Porra! Até iriam pensar que somos um país brinquedo, marioneta, fantoche, perdido! Nada disso, amigo e fiel leitor! Tudo isto se passa no domínio da ficção! Tanto as datas como os nomes e acontecimentos aqui descritos, ouvidos, vistos e narrados! A diferença é que com o coro tudo parece mais real, mas não te deixes ludibriar, leitor camarada. Agora, volta ao teu camarote, pois parece que, afinal, estás sentado no lugar de Napoleão III, e olha que ele não gosta lá muito de portugueses, mas está a adorar a cena! Até breve!

CENA FINAL

(Mosteiro dos Jerónimos, uma tarde sol quente, abafado e insuportável. Altos dignatários do país presentes, todo o governo e entidades de renome – só pessoas de “gabarito” ?)

SILVA_CAVACO – (falando para Portas e Rabbit, antes de entrarem nos Jerónimos) Agora façam o favor de ser felizes novamente (esboçando um quase sorriso amarelo e torpe), de levar este país na senda do progresso e na mudança! Lembrem-se do actual presidente do Marco de Canaveses! Não fez nada que se aproveite em 8 anos, mas “a Mudança continua”! Que mudança? Perguntar-me-iam, não interessa! Interessa sim os cartazes e as festas! Não pensem duas vezes para votar nele, pensem três! Não criou emprego nem abasteceu o concelho com água e saneamento! Colocou os marcoenses no 12º lugar de pior concelho do país para se viver, mas não interessa! Há que apostar nessa “mudança” que tanto FAZ FALTA! Mas vamos a assuntos sérios e dignos: portem-se bem, lá dentro, sorriem e acenem, pois está tudo feito para que sejamos recebidos como se de um funeral vestido do avesso se tratasse, pois em vez de carpideiras para gritar e chorar em escabelos, contratei os vossos deputados que servem de chocalheiras e para batedores de palmas não estão nada mal!

PORTAS E RABBIT – Vai ser um sucesso, então, esta nossa entrada! Cavaco, é de gente como esse tal Manuel Moreira que precisamos nas câmaras municipais: gente que aumente a dívida pública, que não apoie a cultura, que só largue dinheiro para freguesias com bastantes eleitores e que faça festas e mais festas! Havemos de falar com esse sujeito. Também é óptimo pois tem motorista e podemos falar com ele em privado no seu carro, enquanto os contribuintes pagam o motorista, chauffeur, e as suas mentiras! Ainda bem que o povo gosta de pão e circo! Agora, siga para os Jerónimos que são horas!

(À entrada dos Jerónimos, avista-se toda a igreja repleta da mais alta gente que este país tem. Todos eles de pé, os imbecis!, aplaudindo Rabbit, Silva_Cavaco e Portas. Todos eles sorrindo para estes três energúmenos que têm nas suas mãos parte do destino deste “país-centavos”. O coro e a orquestra preparam-se para entoar a Nona Sinfonia de Beethoven!

SILVA_CAVACO – (Discursando) Como todos podemos ver, o governo continua intacto e imaculado! Apesar de o anjo Gaspar se demitir, visto ser angelical de mais, as Finanças não caíram, aliás, Gaspar elevou as finanças, elevando-se a arcanjo do Banco de Portugal! Podemos vê-lo, tanto a ele como Portas e Rabbit num acrescento que far-se-á nos painéis de S. Vicente e no Padrão dos Descobrimentos, visto que eles descobriram um Portugal capaz de afastar a Mentira, a Falsidade, a Hipocrisia e a Corrupção! VIVA PORTUGAL!

(enquanto o pano cai muito devagar, o coro entoa a sinfonia preteritamente anunciada, Silva_Cavaco, Portas e Rabbit dão as mãos, a multidão aplaude; dos jerónimos caem confettis. A alegria faz lembrar a paródia de Bolero, de Maurice Ravel, o ambiente é irreal, surreal, INACREDITÁVEL! Ao fundo, Camões e Vasco da Gama juntam-se a Cristo e a D. Afonso Henriques que olham pasmados.)

FIM

            E assim terminou esta opereta em 3 actos, caro leitor amigo! Voltamos a lavar a cara, pelo menos mais duas vezes, depois deste final, visto que quase parece realidade! Mas a ficção, a fantasia tem destas coisas: de tão detalhada aparecer toma os tons e as cores do quotidiano, do verídico, do verdadeiro. Mas acalma-te leitor fiel e amigo, acalma-te! A nossa realidade é outra
            O nosso país não vive em profunda crise, o emprego abunda, a fome e a miséria são mitos sociais e a palavra IRREVOGÁVEL ainda vale o que vale!
            Vamo-nos rir, pois!




1 comentário :

  1. Simplesmente deliciosa esta opereta.
    Tal como o autor entendo, que temos inúmeros mestres na farsa, que não na verdadeira e honesta arte de gerir o bem comum. Depois, ainda há por aí,quem se arrogue o título de "vedeta" neste modo de fazer política, pretendendo apenas achincalhar os eleitores, pois que outra leitura não se poderá fazer do seu (des)respeito pelas decisões democráticas.
    Um abraço José Vieira
    João Valdoleiros

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