quarta-feira, 24 de julho de 2013

A Gaitada Da Decadência. A Gaitada. A Decadência. ACTO II



A Gaitada da Decadência.
Acto II – TRISTEZA E PAIXÕES ARDENTES.

Caro leitor amigo, olá, mais uma vez! Esperamos que estejas bem! Como prometido, eis o ACTO II, picante e ardente, desejado, amado, cuspido e odiado.
Deixa-nos dizer-te, prezado leitor fiel, que este acto será muito mais trágico e cómico que o outro, pois este tem como personagem um Herói romântico, Portas, o qual passa por sofrimentos atrozes, sofre o mal du siècle, é vítima da vague des passions, da incompreensão e da solidão românticas.
Portas, o Jovem Wertherportuguês, vive aterrorizado, angustiado, o que é típico de uma personagem bem ao estilo romântico. Neste caso, falamos de um Romantismo de cariz negro, com laivos de suicídio, a concretização moral de românticos ingleses e alemães, já por cá, por penínsulas terras, os actos de heroísmo são outros.
Boa sorte!


A GAITADA. A DECADÊNCIA.

ACTO II

TRISTEZA E PAIXÕES ARDENTES

CENA I.

(Portas, com a cabeça encostada a um pilar de uma catedral em ruínas, com laivos góticos, deambula pelo seu pensamento enquanto se escuta o Piano Concerto n. 5  de Beethoven, no seu segundo movimento)

PORTAS – Lembro-me daquela noite em que nos encontrámos pela primeira vez, Peter Rabbit. Era o céu de tons azuis e a lua alaranjada e o teu olhar sobre mim. Ah! O teu olhar sobre mim!, dando significado a palavras tão belas como IRC, IRS, Orçamento de Estado, Taxa Social Única.
            Éramos nós, na noite dos nossos desejos, dos nossos segredos, dos sussurros suspirados sobre os pilares de S. Bento, enquanto comunistas, bloquistas e socialistas vociferavam, exclamando vitupérios e misérias! A tua voz delicada, a tua mão carinhosa e amiga. Oh! Que tempos esses, onde colhia o doce fruto dos nossos amores, das palavras que trocámos.
            Lembro-me daquele 5 de Junho Maravilhoso em que nos conhecemos e fizemos promessas de amor eterno. Bebíamos laranjada e falávamos de impostos, trocávamos carícias e palrávamos sobre a função pública. Enquanto nos despíamos, o TGV, a nova ponte sobre o Tejo, o novo aeroporto, a auto-estrada do Marão, o programa dos parques escolares deixava de fazer sentido, pois só os teus lábios laranjas, doces como o mel, deixavam-me ainda mais sedento, e com fome, como os pescadores e os feirantes que visitei. Fome…
            Vivemos juntos durante dois anos, dois belos anos! Tivemos alguns desacatos, mas qual é o casal que não os tem? Um ciúme parlamentar, uma inveja deste ou daquele, uma desconfiançazinha para apimentar as tórridas noites de empobrecimento do país!
            Mas agora, agora… DEMITO-ME! DEMITO-ME! DEMITO-ME! Saio pela porta por onde saiu o Gaspar anjo. Saio e não volto! Não te quero mais, Peter Rabbit! Nunca mais te quero ver, seu desgraçado! O meu amor por ti era irrevogável, inevitável. A minha paixão era eterna e de entrega total aos luxos e regalias que tinha em viajar pelo mundo nos melhores aviões, tendo os melhores carros, vivendo nas melhores moradias, nos melhores hotéis, comendo dos melhores repastos, amesendando-me da melhor gastronomia…
            Sofro com as tuas decisões, meu amor de tempos e orçamentos outros. Sofro e não sou feliz. É a maçada de arrumar os quadros, as naperons, de empacotar toda a tralha que tinha no meu gabinete e no dos meus assessores. A foto que tirámos em  Berlim, nos portões de Brandemburgo, num Natal mágico em que me ofereceste um cão de loiça, ficará na secretária, pois esses tempos de amor já lá vão…
            Sofro com as tuas decisões, sofro com a tua falta de respeito para comigo! Como é que foste capaz de pronunciar a anunciação de outro anjo para as finanças sem me consultares? Como foste tu capaz? E eu que esperei por ti, ansioso, no meu gabinete, com um laço na cabeça, com o pescoço perfumado, ansioso, desejoso do teu calor, e tu, decidiste tudo sozinho, enviando apenas um mísero sms dando a informação.
            Foi a gota de água, meu Rabbit… Tenho pena que tudo tenha de acabar desta maneira, mas demito-me de forma irrevogável, não como o meu amor, mas como a minha honra, honestidade, sinceridade e falta de sede de poder. IRREVOGÁVEL! Espero que entendas esta palavra, Peter que foste o meu Rabbit, o meu fofo, o meu querido, o meu tudinho, o meu bebé bom… (As lágrimas são imensas)

CENA II

(A noite avança e a tempestade  começa a ser real. Os trovões irrompem pelo horizonte adentro. O céu parece rasgar-se em chuva, súbitos raios e escuridão total. Portas, o Wertherzito, encostado aos ferros da ponte vermelha de sangue e paixão mira o Tejo com um olhar vago. A Lacrimosa volta a ser entoada em laivos desesperantes, enquanto Mozart, esse, coitado, já não suporta a apropriação da Arte a coisas tão saloias e baixas)

PORTAS – Esta é a noite verdadeira e única, a noite na qual todos os males irão cessar, pois este sofrimento faz-me fugir do mundo cruel e triste. Que mundo este em que vivemos! Tanta indiferença, tanto sofrimento, tanta dor, tanta miséria, tanto ódio! Estas grades, este ferro, esta ponte, este rio, este céu, esta tempestade, tudo isto será a testemunha divina da minha morte – a escapatória dos justos num mundo injusto, a fuga dos puros que vivem rodeados de impureza. (Um trovão dilacera o céu e a noite – o coro cala-se) Oh, deuses cruéis, antigos e novos, deuses desacreditados e recentes! Que desgraça é esta que caiu sobre mim! Porquê? Porquê, meu Deus? Porquê, ninfas e musas, génios e loucos, desempregados e contestatários? Porquê?
(O vento sopra cada vez mais forte – Portas passa para o lado de fora das grades dessa ponte que um dia foi história)
Miro o horizonte tenebroso, filho das trevas e da escuridão. Chegou o momento pelo qual todos os corações puros e heróicos devem aspirar. Eis o momento final, onde a vida é pesada na balança dos feitos e da intensidade com que soubemos viver e amar e governar e dar uso da coquetterie parlamentar. Mundo cruel, capitalista e interesseiro, mundo hipócrita e falso, não mais irás corromper este coração incorruptível!
Adeus!
(Portas atira-se da ponte. Enquanto cai fecha os olhos e o coro parecia querer cantar oHallelujah from the Messiah, de Georg Friedrich Händel, todavia, o maestro, fazendo cara de zangado, arregala os olhos e o coro cala-se)

Cai o pano, outra vez, leitor amigo! Ainda com as lágrimas nos olhos e com uma voz soluçante, prometemos-te um Acto III revelador, cheio de personagens inesperadas.
Vamos chorar com tal tristeza, ou vamo-nos rir com tamanha parvoíce?




1 comentário :

  1. José Vieira continua a mimosear-nos com a sua escrita inigualável,personalizada,fazendo lembrar, com a sua leitura, aquela expressao, "é de comer e chorar por mais".
    Temos gente, temos arte.Afinal que nao tem o nosso Marco?Responda quem souber.
    Um abraço
    Joao Valdoleiros

    ResponderEliminar

Obrigada por partilhares a tua opinião connosco!